Literatura
-
Contexto educacional e linguístico
Devido a peculiaridades de sua formação como colônia, no Brasil a cultura literária custou a se desenvolver. Portugal não fazia nenhuma questão de educar os territórios colonizados - na verdade, por vários meios se esforçou para
não educá-los, pois o grande interesse era a exploração de seus recursos e temia-se que uma colônia instruída pudesse rebelar-se contra o poder central e se tornar independente. Bibliotecas e escolas públicas não havia, e o que se aprendia - quando se aprendia - era uma instrução elementar sob a tutela da Igreja, especialmente dos jesuítas, fortemente direcionada para a catequese, e ali se encerrava a educação, sem perspectivas nenhumas de aprofundamento ou de aprimoramento do gosto literário a não ser que os pupilos acabassem por ingressar nas fileiras da Igreja, que então lhes daria melhor preparo. Além disso, grande parte da população era analfabeta e a transmissão de cultura era baseada quase toda na oralidade, a imprensa era proibida, manuscritos eram raros pois o papel era custoso, e só circulavam livros que haviam passado pela censura do governo, principalmente vidas de santos, catecismos, uns poucos romances inocentes de cavalaria,
lunários e almanaques, compêndios de latim, lógica e legislação, de modo que além de os leitores serem poucos, quase não havia o que ler. Assim, a escassa literatura produzida durante o Barroco nasceu principalmente entre os padres, alguns deles de elevada ilustração, ou no seio de alguma família nobre ou abastada, entre os oficiais do governo, que podiam se dar ao luxo de estudar na metrópole, e era consumida neste mesmo círculo reduzido. O que pôde florescer nesse contexto paupérrimo seguiu em linhas gerais o Barroco literário europeu, caracterizando-se numa ênfase na
retórica exuberante, no gosto pelas
figuras de linguagem, no cultivo dos contrastes e no apelo emocional.
[112][113]
Capa do
Katecismo Indico da Lingua Kariris, acrescentado de várias Praticas doutrinaes, & moraes, adaptadas ao genio, & capacidade dos Indios do Brasil, do Padre
Bernardo de Nantes, 1709
Acrescente-se a isso o fato de que até meados do
século XVIII, quando o
Marquês de Pombal introduziu grandes reformas na educação e buscou homogeneizar o panorama linguístico nacional, o que menos se falava no Brasil era o
português. No contexto de um território conquistado cujos habitantes originais se expressavam em uma multidão de
outros idiomas, os primeiros colonizadores europeus tiveram de conhecê-los, e acabaram por utilizá-los em larga escala em público e mesmo em ambiente doméstico, onde sempre circulavam índios escravos e mestiços, muitas vezes criando falas híbridas, como a
língua geral paulista, que predominou no sul, e o
nheengatu, que foi a
língua franca da Amazônia por muito tempo. Essa miscigenação também se verificou no terreno pastoral, dando frutos literários em obras originais ou traduções feitas pelos missionários para trabalho com os índios, incluindo sermões, poemas e autos sacros, além de obras técnicas como catecismos, dicionários e gramáticas.
[114][115][116][117][118][119] (Vide nota:
[120]) Durante a
União Ibérica, e sob influência das colônias hispânicas vizinhas, de onde vieram muitos em busca de melhores oportunidades, o
espanhol também teve significativa circulação no sul do Brasil e São Paulo, mas ao contrário das línguas indígenas, não enraizou, extinguindo-se rapidamente. Em alguns pontos do litoral, durante um breve período, também se ouviram o
holandês e o
francês. As falas dos escravos africanos, por sua vez, é de registrar, foram severamente reprimidas, mas puderam sobreviver em pequena escala de forma dissimulada, quando sozinhos e em festas e ritos africanos praticados escondidos dos brancos. Enfim, diga-se que a linguagem da erudição naquela época era o
latim, a língua oficial da Igreja, do Direito e da Ciência, e que monopolizava ainda todo o sistema educativo. Pouco espaço havia, pois, para o português ser cultivado com mais intensidade, ficando restrito quase exclusivamente ao âmbito oficial, e além de raros escritores pioneiros, alguns dos quais serão em breve mencionados, somente no
século XVIII é que a literatura brasileira em português vai começar a adquirir uma feição mais rica e mais nitidamente nativa, acompanhando o crescimento das cidades litorâneas, o aparecimento das primeiras academias literárias e o surgimento do ciclo do ouro em Minas Gerais, mas ao mesmo tempo em que começava uma transição para o
Arcadismo e seus valores classicistas.
[13][114][116][121]
Poesia
No campo da poesia, destaca-se o precursor
Bento Teixeira com seu épico
Prosopopeia, inspirado na tradição de
Camões, seguido de
Manuel Botelho de Oliveira, autor de
Música do Parnaso, o primeiro livro impresso de autor nascido no Brasil, uma coletânea de poemas em português e espanhol em rigorosa orientação
cultista e
conceptista, afim da poesia de
Góngora, e mais tarde o frei
Manuel de Santa Maria, também da escola camoniana. Mas o maior
poeta do barroco brasileiro é
Gregório de Matos, de grande veia
satírica, e igualmente penetrante na
religião, na
filosofia e no
amor, muitas vezes de crua carga erótica. Também fez uso de uma linguagem culta e cheia de
figuras de linguagem. Foi apelidado de
O Boca do Inferno por suas críticas mordazes aos costumes da época. Na sua lírica religiosa os problemas do
pecado e da
culpa são importantes, como é o conflito da
paixão com a dimensão espiritual do amor.
[122] Veja-se o exemplo do
soneto A Jesus Cristo Nosso Senhor:
Frontispício da edição das
Obras Poéticas de Gregório de Matos, 1775.
Frontispício de
Historia do Futuro, edição de 1718, do padre António Vieira.
-
- Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
- da vossa alta clemência me despido;
- porque, quanto mais tenho delinqüido,
- vos tenho a perdoar mais empenhado.
-
- Se basta a vos irar tanto pecado,
- a abrandar-vos sobeja um só gemido:
- que a mesma culpa, que vos há ofendido
- vos tem para o perdão lisonjeado.
-
- Se uma ovelha perdida, e já cobrada
- glória tal e prazer tão repentino
- vos deu, como afirmais na sacra história,
-
- eu sou Senhor, a ovelha desgarrada,
- cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
- perder na vossa ovelha, a vossa glória.
Prosa
Na
prosa o grande expoente é o Padre
António Vieira, com os seus sermões, dos quais é notável o
Sermão da Primeira Dominga da Quaresma, onde defendia os nativos da
escravidão, comparando-os aos hebreus escravizados no
Egito. No mesmo tom é o
Sermão 14 do Rosário, condenando a escravidão dos africanos, comparado-a ao calvário de
Cristo. Outras peças importantes de sua
oratória são o
Sermão de Santo António aos Peixes, o
Sermão do Mandato, mas talvez a mais célebre seja o
Sermão da sexagésima, de 1655. Nele não apenas defende os índios, mas também e, principalmente, ataca seus algozes, os
dominicanos, por meio de hábil encadeamento de imagens evocativas. Sua escrita era animada pelo anseio de estabelecer um império português e católico regido pelo zelo cívico e a justiça, mas sua voz foi interpretada como uma ameaça à ordem estabelecida, o que lhe trouxe problemas políticos e atraiu sobre si a suspeita de
heresia.
[123] Seu estilo pode ser sentido neste fragmento:
-
- "O trigo que semeou o pregador evangélico, diz Cristo que é a palavra de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em que o trigo caiu, são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes afoga-se a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e obstinados; e nestes seca-se a palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos e perturbados com a passagem e tropel das coisas do Mundo, umas que vão, outras que vêm, outras que atravessam, e todas passam; e nestes é pisada a palavra de Deus, porque a desatendem ou a desprezam. Finalmente, a terra boa são os corações bons ou os homens de bom coração; e nestes prende e frutifica a palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um: Et fructum fecit centuplum." [124]
Outros nomes na prosa do período são
historiadores ou
cronistas, como
Sebastião da Rocha Pita, autor de uma
História da América Portuguesa,
Nuno Marques Pereira, cujo
Compêndio Narrativo do Peregrino da América é considerado uma das primeiras narrativas de cunho literário do Brasil, na forma de uma
alegoria moralizante,
[125] e o frei
Vicente do Salvador, autor da
Historia do Brazil, de onde vem este excerto que trata do
Descobrimento:
-
- "A Terra do Brasil, que está na América, huma das quatro partes do Mundo, não se descobrio de proposito, e de principal intento; mas acaso indo Pedro Alvares Cabral, por mandado de El Rey Dom Manoel no (ano) de mil e quinhentos para a India por Capitão Mor de doze Naus, afastando-se da costa de Guiné, que já era descoberta ao Oriente, achou estoutra ao Ocidente, da qual não havia noticia alguma, foi a costeando alguns dias com tromenta the chegar a hum porto seguro, do qual a terra visinha ficou com o mesmo nome.
-
- "Ali desembarcou o dito Capitão com seus soldados armados, pera peleijarem; porque mandou primeiro hum batel com alguns a descobrir campo, e derão novas de muitos Gentios, que virão; porem não foram necessarias armas, porque só de verem homens vestidos, e calçados, e brancos, e com barba - do que tudo elles caressem - os tiverão por divinos, e mais que homens, e assim chamando-lhes Carahibas, que quer dizer na sua lingoa cousa divina, se chegaram pacificamente aos nossos." [126]
+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
Artes performáticas
Música
-
A
música é a arte cuja trajetória durante o Barroco no Brasil é das menos conhecidas e das que deixou menos relíquias - quase tudo se perdeu. Da produção musical nativa só sobrevivem obras notáveis a partir do final do
século XVIII, ou seja, quando o Barroco já estava dando lugar à escola Neoclássica. Não que não tivesse havido vida musical na colônia nos séculos anteriores; houve, e importante - embora não possa ser comparada à de outros centros coloniais americanos como o
Peru e o
México, ou à da própria Metrópole portuguesa - apenas as partituras infelizmente se perderam, sobrevivendo não mais de 2.500 composições conhecidas, na estimativa de
Régis Duprat, em sua maioria datadas do final do período, mas testemunhos literários não deixam dúvida sobre a intensa atividade musical brasileira desde o início do Barroco, especialmente no Nordeste. No final do
século XVIII havia mais músicos ativos na colônia do que em Portugal, o que diz da intensidade da prática no Brasil desenvolvida.
[127][43][128]
As primeiras atividades musicais registradas no Brasil foram ligadas à catequese, contando com ativa participação de índios. Em algumas
reduções do sul chegou a florescer uma rica vida musical, mas no geral a música praticada pelos missionários entre os nativos era bastante simples, empregando basicamente o
canto homofônico, que muitas vezes fazia parte de representações teatrais didáticas. Pouco mais tarde foi introduzido um instrumental elementar composto basicamente pelas
flautas e as
violas de arame.
[43][129] Com o crescimento da colônia, melhores condições materiais propiciaram um enriquecimento generalizado, surgindo coros, orquestras e escolas. Foi quando se tornaram muito mais importantes, musicalmente, os negros e mulatos, que chegaram a predominar entre os músicos coloniais. São conhecidos vários relatos de viajantes admirados sobre orquestras de negros e mulatos tocando com perfeição peças eruditas europeias. Muitos deles, além de executar, criavam, e dentre eles saíram alguns dos maiores compositores do período, embora traços da cultura original de sua etnia não sejam de forma alguma detectados em sua produção, toda orientada para modelos europeus.
[127][43]
Uma vez que a Igreja permaneceu como a grande patrona das artes, foi natural a proliferação de
irmandades musicais, que vieram a adquirir enorme importância na vida musical da colônia. Algumas se tornaram muito ricas através da arrecadação de anuidades, doações e esmolas, chegando a administrar orquestras completas e possuir templos próprios decorados com muito luxo. Embora as irmandades se organizassem espontaneamente, a prática musical que desenvolveram nascia de encomendas, e ficava sempre sob a tutela da Igreja, que atribuía a cada uma a responsabilidade pela musicalização de festas e cerimônias específicas, através da contratação de seu mestre principal para a execução de música ao longo de todo um ano. Esta forma de contratação era chamada
estanco, e equivalia a um
monopólio para determinada localidade. No fim do século XVIII introduziu-se a
arrematação para os contratos. As formas de música sacra cultivadas no Brasil equivaliam às da Europa:
missas,
ladainhas,
motetos,
salmos,
responsórios,
hinos, entre outras. A música sacra tinha, como as outras artes barrocas, uma natureza funcional: objetivava estimular a devoção dos fiéis, e era um importante elemento catalisador e evocativo em um culto ritualizado e espetacularizado, realizando-se no cenário suntuoso das igrejas ou nas coloridas e movimentadas festividades ao ar livre.
[43]
No entanto, a música profana também conheceu rico e sofisticado florescimento. Além de ela se fazer presente em muitas situações domésticas, nas festividades cívicas, nas cerimônias oficiais, mesclando-se à música popular, relatos acusam também a encenação de
óperas completas em teatros da Bahia (1729, 1760), Rio (1767), São Paulo (1770), com um repertório basicamente italiano. Destacou-se o português
Antônio Teixeira, que musicou as sátiras de
Antônio José da Silva, o
Judeu, de grande difusão e sucesso, embora escritas em Portugal.
[127][43] A mais antiga partitura vocal profana escrita no Brasil em português que perdurou foi a
Cantata Acadêmica Heroe, egregio, douto, peregrino, na verdade apenas um par
recitativo +
ária de um compositor anônimo, que em 1759 saudava em música elegante e expressiva o dignitário português
José Mascarenhas e deplorava as dificuldades por que ele passara nesta terra. Sua autoria por vezes é atribuída a
Caetano de Melo de Jesus, mestre de capela na Sé de Salvador.
[127][130] A
Cantata merece a transcrição de um trecho do seu
libreto por ser também um bom exemplo da retórica típica da época empregada na louvação dos poderosos:
Primeira página da parte vocal da ária da
Cantata Acadêmica Heroe, egregio, douto peregrino.
-
- (...)
- "E bem que quis a mísera fortuna,
- que vos fosse molesta e que importuna
- a hospedagem, Senhor, desta Bahia.
-
- "Sabem os céus e testemunha sejam,
- que dela os naturais só vos desejam
- faustos anos de vida e saúde,
- de próspera alegria, pela afável virtude
- de vossa generosa urbanidade,
- com que a todos honrais, desta cidade!
-
- (...)
-
- "Oh! Quem me dera a voz, me dera a lira
- de Anfião e de Orfeu, que arrebatava os montes
- e fundava cidades, pois com elas erigira
- um templo que servisse por memória
- e eterno monumento à vossa glória!
-
- (...)
-
- "Oh! Se também tivera o canto grave
- da filomela doce e cisne suave,
- vosso louvor, sem pausa, cantaria,
- com cláusula melhor, mais harmonia."[131]
Mestre Ataíde: Anjos músicos, detalhe na pintura do teto da Igreja de São Francisco em Ouro Preto
Cabe incluir a citação a alguns outros nomes importantes. Em São Luís, desde 1629 é assinalada a presença de
Manuel da Motta Botelho como mestre de capela. O frei
Mauro das Chagas trabalhou um pouco antes em Salvador, e depois dele vieram
José de Jesus Maria São Paio,
frei Félix,
Manuel de Jesus Maria,
Eusébio de Matos e diversos outros, sobretudo
João de Lima, o primeiro teórico musical do Nordeste, polifonista, multi-instrumentista e mestre de capela da Sé de Salvador entre 1680 e 1690, e depois assumindo a de Olinda. Uma das figuras principais do auge musical de Salvador foi o frei
Agostinho de Santa Mônica, de grande fama enquanto viveu, autor de mais de 40 missas, algumas em estilo
policoral, e outras composições.
[127][130] Caetano de Melo de Jesus, já referido antes, foi outro grande personagem na música da capital baiana, autor de uma
Escola de Canto de Órgão ("canto de órgão" era entendido como canto
polifônico), em dois volumes, que embora jamais publicado, é hoje tido como um dos mais notáveis tratados de
teoria musical escritos em língua portuguesa de sua época, competindo com os de célebres
musicólogos europeus, destacando-se pela sua extensão, abrangência enciclopédica e erudição
"nos vários domínios do conhecimento que, partindo da base pedagógica do trivium e quadrivium, abarca virtualmente o conhecimento filosófico e humanístico disponível na época para um consumado Mestre de Capela catedralícia", como afirmou a pesquisadora Mariana de Freitas.
[132]
Os outros centros principais da época, Recife, Belém e São Paulo, só puderam manter uma atividade consistente a partir do
século XVIII. Em que pese seu relativo atraso, a qualidade de sua vida musical chegou a um nível que interessou até mesmo especialistas da Metrópole. Diversos de seus músicos foram citados no
Dicionário de Músicos Portugueses de
José Mazza, entre eles Caetano de Melo Jesus,
Eusébio de Matos,
José Costinha,
Luís de Jesus,
José da Cruz,
Manoel da Cunha,
Inácio Ribeiro Noia e
Luís Álvares Pinto. De Luís Álvares Pinto, mestre de capela em Recife, fundador de uma Sociedade de Santa Cecília e autor de uma
Arte de Solfejar e de um
Muzico e Moderno Systema para Solfejar sem Confuzão, restam umas poucas composições, um
Te Deum, uma
Salve Regina e os exemplos que deixou em sua
Arte de Solfejar.
[127][130]
André da Silva Gomes, prolífico compositor, autor de uma
Arte Explicada do Contraponto e mestre de capela da Sé de São Paulo, é um dos autores de quem se conhecem mais obras. Outro de quem sobreviveu um acervo apreciável é
Damião Barbosa Araújo, baiano, mas a estética de ambos já esboça um Neoclassicismo.
[127] A produção do integrantes da Escola de Minas, ativa a partir de meados do
século XVIII, é bem mais documentada, mas também não pode ser classificada como barroca. Ou já incorpora muitos traços neoclássicos, ou é inteiramente classicista. Dentre os que preservam um pouco mais nitidamente soluções formais, técnicas e sonoridades do Barroco está
Lobo de Mesquita, possivelmente o maior de todos os mineiros e a quem se atribui a autoria de cerca de trezentas obras, de que sobrevivem quarenta. São bem conhecidas a
Antífona de Nossa Senhora, o
Tractus para o Sábado Santo e a
Missa em si bemol, e diversas outras. Também importantes neste grupo são
Inácio Parreira Neves,
Manoel Dias de Oliveira e
Francisco Gomes da Rocha, este o autor de duzentas peças entre elas a estimada
Novena de Nossa Senhora do Pilar.
[127]
Este acervo de música colonial, até há pouco mal conhecido e menosprezado, longamente esquecido em arquivos paroquiais e obscuras coleções privadas, tem recebido atenção de musicólogos e intérpretes desde a atuação precursora de
Curt Lange em meados do
século XX, e hoje é presença relativamente assídua em concertos no Brasil e no exterior, já possuindo boa discografia por grupos de música de reconstrução histórica. As pesquisas recentes continuam a enriquecer o conhecimento moderno sobre um campo onde ainda há muito por resgatar e entender.
[127][128][133]
- Manoel Dias de Oliveira: Surrexit Dominus Vere - Moteto da Procissão da Ressurreição (versão instrumental midi)
Teatro e festividades
As primeiras manifestações
teatrais importantes no Brasil ocorrem na transição do maneirismo para o barroco, e foram realizadas em âmbito religioso, como parte da obra missionária de catequização do
gentio. Assim são as peças de
José de Anchieta, o maior e praticamente único
dramaturgo do
século XVI no Brasil, e sua produção se insere na concepção jesuíta de catequese cênica, sistematizada pelo padre
Franciscus Lang em sua
Dissertatio de actione scenica. Para formular seus preceitos Lang se baseou na tradição teatral italiana, nos antigos
autos de mistérios medievais, e nas prescrições dos
Exercícios Espirituais de
Santo Inácio de Loiola, que previa a
composição de lugar para melhor eficiência da meditação espiritual. No caso específico de Anchieta, o teatro de
Gil Vicente foi outra referência importante.
[134]
Os
enredos eram em geral retirados da
Bíblia e da
hagiografia católica, e a história da
Paixão de Cristo ao longo da
Via Sacra era dos mais importantes. As peças de Anchieta já evidenciam uma das características do teatro religioso do Barroco que permaneceria ao longo dos séculos seguintes, o
sincretismo, com personagens retirados de vários períodos históricos e misturados a figuras lendárias. No
Auto de São Lourenço, por exemplo, aparecem juntos os imperadores romanos
Décio e
Valeriano, anjos, os santos
Sebastião e
Lourenço, uma velha, meninos e demônios indígenas, e nesta mistura fica desde logo claro o propósito de
"relativizar o tempo e o espaço em função do referencial divino, que é eterno e absoluto. Diante de Deus todas as coisas são concomitantes e, apesar da existência de uma história da salvação, os verdadeiros valores não são históricos ou lineares". No
século XVII a forma do teatro sacro se desenvolve, se enriquecem os
cenários e acessórios cênicos, e o público-alvo já não é primariamente o índio, mas toda a população.
[134]
No início não havia casas de teatro, e o local para tais representações era usualmente ao ar livre, nas praças diante das igrejas, ou ao longo das
procissões, com o auxílio de cenários móveis instalados em cima de carros alegóricos que acompanhavam o percurso. A encenação contava com a viva participação popular, num movimento integrado entre atores e público. Muitas vezes se fazia uso de
marionetes ou imagens sacras de um tipo especial, as
estátuas de roca, vestidas como pessoas e articuladas de modo a poderem se adaptar à ação que se desenrolava, onde desempenhavam um papel evocativo fundamental.
[135] Era nessas ocasiões, como expressou Sevcenko, em que o barroco revelava toda a sua força aglutinadora, sua energia extravasante e o poder de seu encantamento:
-
- "Então toda a cidade se move. As imagens desfilam solenes, refletindo as cores de suas tintas, vernizes, pedrarias e tecidos luxuosos, entre massas de velas e rolos da névoa perfumada exalada pelos turíbulos. A multidão adquire forma, organizada na hierarquia de suas funções, lustre e condição social. À frente, os representantes do Rei e da Igreja com suas insígnias e trajes de gala, seguidos dos militares em armaduras, as irmandades e confrarias com seus ícones e estandartes, e a escravaria agregada sob a efígie da Santa Misericórdia. Todos na mesma cadência, marcada pelos coros polifônicos e pelos clamores da fé, gritos, vivas, lágrimas e confissões espontâneas de pecados e vícios inimagináveis.....
-
- "À noite se davam as encenações teatrais, recitações, cantos, danças e mascaradas. As coreografias formais dos minuetos e contradanças nos salões extravasavam para as mouriscas e lundus nas varandas e dali para os congos, batuques e cucumbis nos quintais e terreiros. As danças noturnas se encarregavam assim de dissolver as rígidas segregações hierárquicas longamente ritualizadas durante o dia, reembaralhando as cartas ao acaso dos destinos individuais. Na vertigem dos rodopios e requebros, cada um incorpora o eixo em torno do qual gira o mundo, se lançando ao imprevisto das contingências guiado apenas pela verdade profunda da fantasia".[3]
Antônio Francisco Soares: Carro alegórico construído no Rio em 1786 para as festividades locais comemorativas do casamento dos Infantes de Portugal.
Como se percebe, era natural a integração do sagrado e do profano na vida colonial, com o teatro unindo-se a outras manifestações de cultura como os cortejos, música e dança. Presente na cena pública, o teatro também acontecia como entretenimento privado, onde os
marionetes eram de uso frequente e o improviso uma praxe. Salvador foi o primeiro palco desse teatro popular; logo outros centros também assinalam sua ocorrência. O teatro profano erudito só começaria a aparecer com a construção, a partir do
século XVIII, de diversas casas de espetáculo pelo litoral e em alguns centros interioranos, como Ouro Preto e Mariana. Serviam principalmente à representação de peças musicadas, as óperas, melodramas e comédias. Ao mesmo tempo, surgia o desejo de profissionalização do teatro brasileiro, até então de base amadora e popular, com o resultado de os tablados itinerantes darem lugar ao auditório fixo. O repertório era basicamente importado da Europa, com obras de
Molière,
Corneille,
Voltaire, e as sátiras musicadas de
António José da Silva, o
Judeu, tiveram enorme popularidade.
[136]
Das casas de teatro barrocas do Brasil, a mais antiga ainda existente é o
Teatro Municipal de Ouro Preto, de 1770, que é também o mais antigo das Américas ainda em uso. No Rio há registro de teatros mais antigos, como a Casa de Ópera do Padre Boaventura, erguida possivelmente em 1747, mas esta não sobreviveu. Contudo os relatos descrevem a riqueza de seus cenários e figurinos, o uso de títeres, e seus complexos maquinismos cênicos, um equipamento essencial à criação dos efeitos especiais tão apreciados na encenação barroca. O próprio Padre Boaventura regia os espetáculos. Um outro teatro foi erguido no Rio por volta de 1755, o Teatro de Manoel Luiz; nele se assinala a atividade de um dos primeiros
cenógrafos profissionais do Brasil,
Francisco Muzzi, e um repertório com peças de Molière,
Goldoni,
Metastasio,
Maffei,
Alvarenga Peixoto e especialmente as peças do Judeu. Funcionou até a
chegada da família real portuguesa ao Brasil.
[136]
A herança cênica do barroco perdura até os dias de hoje em expressões populares sincréticas de longa e rica tradição que sobrevivem em diversos pontos do país, como as
ladainhas, os
congados, os
ternos de Reis, e mesmo é visível no moderno
carnaval, uma festa associada ao calendário religioso e uma das expressões populares contemporâneas que atualizam a cenografia luxuriante do auge do teatro e das festas barrocas.
[3][18]
-
-
-
Interior do Teatro de Ouro Preto
-
Recepção crítica
As especificidades da cultura barroca brasileira, definindo modelos não só nas artes mas em toda a vida social, foram reconhecidas primeiramente através da atividade de algumas das primeiras academias nacionais, fundadas na Bahia no
século XVIII, como a dos
Esquecidos e a dos
Renascidos, que articularam um discurso transfigurador da realidade local, apresentando o país como "o desdobramento de um prodígio de glórias nos três reinos da natureza, com a consagração do homem que catequizara os indígenas, expulsara os hereges e recebera a recompensa do açúcar, do ouro e outras riquezas", como descreveu
Antônio Cândido. Contudo, a partir de fins do
século XVIII, com a introdução de ideias
iluministas, essa tradição começou a perder força,
[13] sendo substituída pela estética
neoclássica. Chegando a corte portuguesa ao Rio de Janeiro, logo ela se tornou o "estilo oficial" do reino, uma mudança reforçada pela presença da
Missão Artística Francesa. Desde então outras escolas artísticas se sucederam, fazendo com que a arte do passado fosse gradualmente esquecida e que muitas igrejas e outros monumentos barrocos fossem destruídos ou reformados de acordo com as novas modas vigentes.
[14][137] Outro fator para o descrédito do Barroco foi sua associação com a longa dominação portuguesa, numa fase em que, proclamada a independência, o
novo império buscava afirmar-se como nação autônoma e progressista.
[138] Apesar de alguns viajantes estrangeiros do
século XIX como
Auguste de Saint-Hilaire e
Richard Burton terem admirado as obras de Aleijadinho, ao longo de todo este século a opinião geral sobre o estilo era de desprezo.
[139] Isso não impediu que muitos artistas populares, alguns deles com obra de alta qualidade, continuassem praticando no Barroco até hoje, especialmente em regiões provincianas, embora alguns autores prefiram delimitar o início do século XX como o limite do Barroco histórico no Brasil.
[7][28][27] Uma voz de exceção entre os círculos ilustrados oitocentistas foi o elogio que fez
Araújo Porto-alegre aos artistas coloniais da escola fluminense, considerando-os dignos de um lugar honroso na história da
arte brasileira, mas é típica a manifestação de
Gonzaga Duque, um dos críticos mais influentes do fim do
século XIX:
-
- "A igreja dos jesuítas é uma flagrante prova do mau gosto e da falta de inteligência que presidiam a formação de suas obras. Os mosteiros e conventos foram edificados durante o domínio do estilo Barroco, essa brutalidade inventada pelos fundadores da Inquisição. Nem palácios, nem templos suntuosos possuía a colônia. Tudo era acanhadamente dessa natureza".[138]
Detalhe do retábulo-mor monumental da Basílica do Carmo, Recife
Mestre Ataíde:
Nossa Senhora cercada de anjos músicos, no teto da igreja de São Francisco de Assis, Ouro Preto.
Aleijadinho:
Cristo orando no Horto das Oliveiras, Santuário de Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas
Um resgate consistente dessa herança só começou a acontecer no início da década de 1920, quando
Mário de Andrade realizou os primeiros estudos sobre a arquitetura religiosa mineira, já identificando algumas especificidades da versão brasileira do Barroco e rejeitando a associação do
exótico e do
pitoresco com o legitimamente nativo. Poucos anos depois estudou a obra de Aleijadinho, enfatizando também aspectos sociais da contribuição negra e mulata para a construção de uma arte que qualificava como
"genuinamente nacional".
[140] Nesta época o conceito de Barroco era mal delimitado e sujeito a muito preconceito, até mesmo na Europa, e as contradições e imprecisões são visíveis nos textos de Mário e de outros autores que se ocuparam do tema mais ou menos no mesmo período, como
Manuel Bandeira e
Carlos Drummond de Andrade.
[141]
Na década de 1930, um grupo de intelectuais ligados ao governo federal, que se encontrava empenhado em implantar uma política cultural para o Brasil, se mobilizou para criar em 1937 o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), antecessor do
Iphan. O líder do grupo e então diretor do Sphan,
Rodrigo Mello Franco de Andrade, procurou delimitar a
modernidade brasileira na literatura, nas artes e na política por meio, entre outras coisas, da recuperação do passado colonial:
"Contra o passado recente, um salto para trás, para o passado mais 'verdadeiro', onde se podia descobrir e inventar inclusive uma modernidade 'avant la lettre' ". Os principais focos de atuação do Sphan em suas primeiras décadas de existência foram a identificação e tombamento de um rico acervo de edifícios religiosos (529 itens tombados nos primeiros 30 anos de funcionamento do órgão), o entendimento da importância do legado artístico do
século XVIII e, nele, do fenômeno do
Barroco mineiro como central. Nesse momento, a atenção dada aos monumentos coloniais suplantou quase completamente a que receberam os do Império e da Primeira República. Além dessas atividades, o Sphan iniciou a publicação da revista
Estudos Brasileiros e da
Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde a linguagem e
metodologia impressionistas da crítica dos anos anteriores cedeu lugar para abordagens mais científicas. A partir de então a questão do Barroco brasileiro passou a ser uma presença regular nos debates acadêmicos no país.
[14][142]
Logo em seguida, na década de 1940, os estudos foram significativamente aprofundados com a contribuição de dois teóricos estrangeiros, a alemã
Hannah Levy e o francês
Roger Bastide. Levy era versada no Barroco europeu; publicou em 1941 na
Revista do Sphan o artigo "A propósito de três teorias sobre o Barroco", que se tornou uma referência para todos os pesquisadores por sistematizar o estado da discussão teórica em nível internacional, cotejando os trabalhos de
Heinrich Wölfflin,
Max Dvořák e
Leo Ballet, que representavam as três correntes principais de estudo na época, e aplicando essa sua síntese ao caso brasileiro. Ao mesmo tempo, Bastide, que fora diretor do
Museu do Louvre, se envolveu no assunto e passou a percorrer o interior para pesquisar fontes documentais em velhos arquivos e fazer registros fotográficos. Com seu conhecimento anterior sobre o Barroco europeu e mais esses dados ele pôde estabelecer uma base sociológica do Barroco nacional, desfazer a tradicional vinculação do apogeu econômico do ciclo do ouro com o apogeu artístico mineiro, distinguir entre as escolas regionais do nordeste e de Minas, e traçar suas correlações com o modelo europeu, além de oferecer paralelos entre o Barroco e a produção moderna. As aulas que ministrou na
Universidade de São Paulo atraíram diversos estudantes que mais tarde se tornaram pesquisadores notáveis, como
Antônio Candido,
Lourival Gomes Machado,
Décio de Almeida Prado e
Gilda de Mello e Souza, os quais reconheceram que a contribuição de Bastide os auxiliou na focalização de seus próprios estudos sobre a realidade brasileira, além de apresentá-los a uma metodologia intelectual atualizada. Em 1949 Lourival Machado aproveitou a base deixada por Mário, Levy e Bastide para seus onze artigos publicados no jornal
O Estado de São Paulo, que foram a primeira análise das relações políticas sociais da arte colonial com o
absolutismo português, e estabelecendo a legitimidade da apresentação do Barroco mineiro como um exemplo representativo do Barroco brasileiro.
[143]
A atuação de Lourival Machado foi outro divisor de águas, e a partir dele o Barroco nacional deixou de ser tema de artigos para ocupar livros inteiros. Ele, mais
Afrânio Coutinho e
Otto Maria Carpeaux, escreveram nas décadas de 1940-1950 diversas obras sobre aspectos gerais e particulares do Barroco.
[144] Bastide deu outra contribuição importante em 1965 com seu livro
Classique, Barroque et Rococo, editado na Europa, onde apresentou o Barroco brasileiro como um dos maiores monumentos do Barroco internacional e o Aleijadinho como sua principal expressão.
[145] Também merece crédito a atuação de
Germain Bazin, que deu substancial aporte com dois livros que se tornaram canônicos:
A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil (1956-1958) e
O Aleijadinho e a Escultura Barroca no Brasil (1963), escritos na linha interpretativa oficial, sendo também colaborador de Franco de Andrade, o fundador do Iphan. Muito menos divulgados no Brasil, dois outros estrangeiros deram outras importantes contribuições para o estudo da arte colonial brasileira e para o seu reconhecimento no exterior:
Robert Chester Smith e
John Bury. O primeiro foi o mais prolífico autor sobre este tema, publicando desde 1939 inúmeras obras. O segundo também escreveu muito, mas sua produção é ainda menos conhecida pelos brasileiros. Não obstante, o Iphan, em publicação recente, reconheceu que eles deixaram vários ensaios valiosos. O conjunto da pesquisa de todos esses estrangeiros definiu muito do que se passou a entender como Barroco brasileiro.
[146]
O resultado desses esforços foi que na altura das décadas de 60-70 o Barroco brasileiro se tornara um tópico de grande interesse entre os pesquisadores nacionais e se tornara reconhecido além das fronteiras.
[18] Mais do que isso, caiu no agrado dos decoradores de interiores, que encheram residências com objetos barrocos ou
neobarrocos.
[147] Tamanho interesse chegou a causar a perplexidade de
Affonso Ávila, que escrevendo em 1969 se perguntava o porquê de tanta curiosidade e tanta paixão pelo assunto naquele momento.
[18] De lá para cá, o Barroco brasileiro se tornou um assunto de domínio público, sendo trabalhado em escolas e inúmeros projetos universitários e comunitários e recebendo extensa cobertura midiática.
[60][148][149][150][151][152][153] Mesmo com toda atividade, na opinião de André Lemoine Neves
"a quantidade de trabalhos desenvolvidos neste campo ainda está muito aquém da qualidade das obras e do esforço empreendido por aqueles que se aventuraram neste campo".
[6] Continuando, diz que
-
- "Há que se considerar que a grande maioria dos trabalhos relativos ao assunto se prende ao 'barroco mineiro', o que gera lacunas importantes no estudo do surgimento e desenvolvimento do estilo em outras regiões do país, levando a uma visão parcial e por demais restrita sobre um estilo, por si só imerso em pluralidade e contradições".[6]
Os críticos mais recentes já não trabalham na linha de uma apologia quase incondicional do Barroco brasileiro como fizeram as primeiras gerações de estudiosos, numa fase em que o estilo surgiu como elemento aglutinador em torno do qual se consolidou uma nova identidade nacional. Hoje já emergem visões mais abrangentes que procuram apontar também para seus aspectos mais contraditórios, a fim de se formar um panorama mais realista do que o fenômeno artístico-social do Barroco brasileiro de fato representou.
[35][36] Como exemplo, João Adolfo Hansen diz que se o Barroco
-
- ".... fundiu os modelos da cultura europeia aos modelos africanos, indígenas e orientais, dando origem à figuração por vezes bastante original de valores locais,.... a mínima reconstituição histórica das práticas de representação desse tempo evidencia a fortíssima censura, o anti-semitismo, os estereótipos da limpeza de sangue, a desqualificação e a desonra do trabalho manual, a intolerância religiosa, a perseguição das ideias, etc. Evidencia também que.... a sociedade colonial vivia a História como uma figura providencialista de Deus, que participava nela como fundamento teológico-político da união da Igreja e Estado e como regulação jurídica da escravidão".[36]
Artesão anônimo de Olinda:
São Miguel, obra do
século XXI ainda fazendo amplo uso das referências barrocas.
A crítica pode ser contundente, e chegar à denúncia de uma continuada apropriação pelo Estado de processos culturais históricos com fins propagandísticos tendenciosos.
[35][36] Porém, em geral não se nega o enorme impacto que o Barroco exerceu na formação da
cultura brasileira, nem se ignora o valioso legado artístico que ele deixou e que foi em parte declarado
Patrimônio Mundial pela
Unesco.
[29][30][60][154] Ao mesmo tempo, para muitos pesquisadores a herança barroca permanece viva no cotidiano do brasileiro, expressa em uma variedade de formas artísticas, sociais e folclóricas, definindo uma maneira de ser que se confunde com a própria noção de brasilidade.
[3][18][29][30] Como sintetizou
Zuenir Ventura,
-
- "O Barroco não foi. Ele ainda é, continua presente em quase todas as manifestações da cultura brasileira, da arquitetura à pintura, da comida à moda, passando pelo futebol e pelo corpo feminino.... Barroca é a técnica de composição que Villa-Lobos usou para criar suas nove Bachianas. Barroco é o cinema de Glauber Rocha, é nossa exuberante natureza, é o futebol de Pelé e de todos os que, driblando a racionalidade burra dos técnicos, preferem a curva misteriosa de um chute ou o esplendor de uma finta. Afinal, o Barroco é o estilo em que, ao contrário do renascentista, as regras e a premeditação importam menos que a improvisação. Quer coisa mais barroca que o Guga?"[155]
Recentemente o Barroco nacional recebeu grande destaque na
Mostra do Redescobrimento, organizada nas comemorações dos 500 anos do
Descobrimento do Brasil e que, centralizada no
Parque do Ibirapuera em São Paulo, enviou recortes para capitais regionais e para o exterior, com grande público e divulgação, e também alguma polêmica sobre as formas de apresentação desse patrimônio.
[35][156]
Conservação
Largo da Sé em São Paulo, com a antiga Sé (direita) e São Pedro dos Clérigos (esquerda), demolidas para darem lugar a uma urbanização moderna
Interior da antiga Matriz de Porto Alegre, também substituída por uma construção moderna
Mestre Ataíde:
Assunção da Virgem, forro da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Mariana, notando-se o precário estado de conservação
A despeito do crescente prestígio que vem conquistando desde o início do
século XX, o Barroco brasileiro ainda precisa de maior valorização e proteção. Seu acervo já sofreu graves perdas, principalmente devidas à ideia, prevalente desde o
século XIX, de que o Brasil devia se modernizar; logo, o antigo devia ceder ao novo, e assim caíram antigas catedrais e ricas igrejas, conventos, solares e casarios, para darem lugar a avenidas e edifícios modernos; fachadas e decorações internas originais foram desfiguradas ou refeitas para se alinharem a modas mais atualizadas, pinturas e estatuária foram reformadas ou destruídas.
[12][137][157] Isso sempre pela falta de conscientização por parte dos seus responsáveis, instâncias oficiais, eclesiásticas, dos próprios artistas das novas gerações e mesmo do povo, a respeito do valor de seu patrimônio colonial. Contudo, lembre-se que, na perspectiva histórica, até passada a metade do
século XX esse valor ainda não fora consagrado em larga escala, e muitos, por muito tempo, viram as construções e obras barrocas de fato como feias, pesadas e definitivamente de mau gosto, num contexto que já foi explicitado antes.
[12][138][139][153][157] Quando os intelectuais e a oficialidade, em especial através do Iphan, se voltaram para o Barroco nos anos 30, iniciou-se um movimento de maior amplitude para a preservação e conscientização, que entretanto ainda não conseguiu todos os seus objetivos e até hoje está evoluindo em resultados, conceitos e práticas.
[12][153][157] Naquele mesmo momento histórico, que já foi chamado de
"a fase heróica do Iphan",
[158] se iniciou um programa de restauração de vários edifícios barrocos, alguns deles extensamente adulterados por reformas posteriores, devolvendo-lhes as feições primitivas, e salvando outros do processo de abandono e degradação.
[157] De qualquer forma, desde o
século XIX desapareceram muitos exemplares hoje considerados de grande importância, como as igrejas de São Joaquim e São Pedro dos Clérigos no Rio;
[159] a
antiga Sé, a
igreja do Carmo, a de Nossa Senhora dos Remédios, a de São Pedro dos Clérigos
[160] e a
igreja e mosteiro de São Bento em São Paulo,
[161] a
igreja de Nossa Senhora da Barroquinha, em Salvador
[162] a antiga
Catedral de Cuiabá,
[163] a igreja do Corpo Santo, em Recife,
[164] e a
antiga Matriz e a
igreja do Rosário em Porto Alegre.
[165] A imprensa noticia ainda nos dias de hoje casos de destruição provocada ou degradação passiva de exemplares de arquitetura, estatuária, pintura ou talha.
[60][137][166][167]
Também há grande preocupação dos órgãos oficiais a respeito do furto e tráfico ilícito de bens culturais. No Brasil esses crimes incidem com mais frequência exatamente sobre a decoração de igrejas barrocas, e inúmeras já foram as que tiveram estatuária e prataria subtraídas por malfeitores.
[168] Como exemplo cite-se o caso de Minas Gerais, que em 2008 teve cem peças roubadas em diferentes locais, a maior parte exemplares de arte barroca. O Ministério Público mineiro afirmou que há uma grande quadrilha em ação, com conexões internacionais. Segundo o MP, 635 peças desapareceram das igrejas estaduais nas últimas décadas. A estimativa extra-oficial, no entanto, é que esse número seja dez vezes maior. Calcula-se que o comércio clandestino de bens culturais seja a terceira atividade mais lucrativa do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas e de armas. Além disso, a segurança das igrejas, onde a maior parte do acervo é conservada, muitas vezes é precária, facilitando os saques.
[169]
Instâncias federais como o
Iphan procuram efetivar
tombamentos e executar programas de proteção, às vezes em parceria com organismos internacionais como o
BID, que financia o
Programa Monumenta,
[170][171] os governos estaduais e municipais também investem em museus e restauram bens móveis e imóveis, a iniciativa privada e universidades também realizam projetos de pesquisa e restauro, mas os recursos muitas vezes são escassos e as medidas adotadas são insuficientes diante do volume do acervo arquitetônico e artístico que precisa de medidas de conservação e proteção urgentes.
[30][60][137][157][172][173] Considerando a grande proporção de obras sacras no acervo do Barroco brasileiro, muitas ainda em posse da Igreja, foi importante a publicação em 1992 pela
Santa Sé da
Carta circular 121/90/18 dirigida aos bispos e arcebispos de todo o mundo, onde se recomenda fortemente a dedicação de um cuidado especial ao patrimônio artístico da Igreja, rejeitando sua dispersão, os usos indevidos e a prática das reformas ou adulterações espúrias sem assessoria técnica competente - reconhecendo muito ter-se perdido por este motivo - e evitando entregar sua administração a pessoas sem conhecimento específico sobre arte e sobre a importância social desse legado, vendo na arte sacra um instrumento privilegiado para a Igreja cumprir sua missão espiritual e cultural.
[167]
Por outro lado, em parte ao Barroco, tão identificado com o Brasil, se deve o crescimento do setor do
turismo cultural no país, e já se nota uma crescente conscientização da população sobre a importância artístico-cultural e o potencial de exploração econômica do legado Barroco, desde que mantido adequadamente, embora ainda sejam necessários muitos investimentos nesse setor.
[148][149][150][152][157][174][175][176] Mas de fato, graças a essa evolução a população já se mostrou em muitos casos capacitada para colaborar valiosa e ativamente nas decisões sobre o patrimônio de suas comunidades.
[177] A conscientização também é incentivada pela abordagem do tema em escolas, como forma de se fortalecer o senso de
cidadania e os laços sociais. Segundo o professor José Carlos Carreiro, da
Universidade de São Paulo,
"resgatar a memória é essencial para que um povo se perceba como sujeito de sua própria história. Para evoluir, o homem precisa conhecer suas raízes".
[60] Esse fatores conjugados podem oferecer uma perspectiva de melhor preservação do patrimônio sobrevivente para o futuro.
[152][175][176][177]
Referências
- ↑ Araújo, Eduardo Oliveira Henriques de & Freitas, Flávia Carvalho de. In: CIENTEC · Revista de Ciência, Tecnologia e Humanidades do IFPE, ano II, nº 1, fevereiro de 2010, p. 94
- ↑ Costa, Maria Cristina Castilho. A imagem da mulher: um estudo de arte brasileira. Senac, 2002. pp. 55-56
- ↑ a b c d e Sevcenko, Nicolau. Pindorama revisitada: cultura e sociedade em tempos de virada. Série Brasil cidadão. Editora Peirópolis, 2000. pp. 39-47
- ↑ a b c Oliveira, Carla Mary S. "Construindo Teorias sobre o Barroco". In: Saeculum, Revista de História. 162 [13]; João Pessoa, jul./ dez. 2005, pp. 159-162
- ↑ Villalta, Luiz Carlos. "O Cenário Urbano em Minas Gerais Setecentista: Outeiros do Sagrado e do Profano". In: Laboratório de Pesquisa Histórica da UFOP. Revista LPH, nº 17, pp. 69-70
- ↑ a b c d e Neves, André Lemoine. "A arquitetura religiosa barroca em Pernambuco – séculos XVII a XIX". In: Vitruvius. Arquitextos, 060.08, ano 05, mai 2005
- ↑ a b c d e f g h i "Barroco brasileiro". In: Enciclopédia Itaú Cultural, 30/06/2011
- ↑ Prado, Edilaine Cristina do. "O Pacto Colonial e a Colonização do Brasil". In: Janela Econômica. Faculdades Santa Cruz, s/d, pp. 1-3
- ↑ Costa, Hélio Benedito. As Características da Colonização Brasileira. São Paulo: Faculdade On-line UVB/UNAMA, março de 2004
- ↑ Caminha, Pero Vaz de. Carta a el-Rei Dom Manuel. Wikisource
- ↑ Schwarcz, Lilia Moritz. O Sol do Brasil. Companhia das Letras, pp. 25-29
- ↑ a b c d e f g Saraiva, Enrique. "As miragens do barroco. A cidade de Mariana, cenário do barroco mineiro". In: Cadernos EBAPE.BR, vol.3 no.1 Rio de Janeiro Mar. 2005
- ↑ a b c d e f Neves, Erivaldo Fagundes "O Barroco: substrato cultural da colonização". In: Politeia: História e Sociedade, v. 7, n. 1, 2007, pp. 71-84
- ↑ a b c Costa, pp. 53-54
- ↑ Boff, Claudete. A Imaginária Guarani: O Acervo do Museu das Missões. São Leopoldo: UNISINOS, 2002, pp. 100-109.
- ↑ a b c d Novais, Fernando. "Condições de privacidade da colônia". In: Novais, Fernando (diretor da coleção) & Souza, Laura de Mello e (organizadora do volume). História da Vida Privada no Brasil, vol. 1: Cotidiano e vida privada na América portuguesa. Companhia das Letras, 1997, 10ª reimpressão, pp. 14-39
- ↑ a b Levy, Hannah. "Modelos europeus na pintura colonial". In: Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, vol. 8, Rio de Janeiro, 1944. p. 149
- ↑ a b c d e f Corrêa, Alexandre Fernandes. Festim Barroco. Ensaio de Culturanálise da Festa de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes/PE. São Luís: UFMA, 2009. pp. 34-35
- ↑ "Western Architecture: Baroque and Rococo". In: Encyclopædia Britannica Online. 01 Jul. 2010
- ↑ Taylor & Graham, pp. 356-357
- ↑ Oliveira, Myriam Andrade Ribeiro. Rococó religioso no Brasil e seus antecedentes europeus. Cosac Naify Edições, 2003. pp. 58; 249-251
- ↑ Hogan, Francis. "Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho: An Annotated Bibliography". In: Latin American Research Review, 1974. Vol. 9. nº 2. p. 83
- ↑ Clemente, Elvo & Ferrer, Carla. Integração: história, cultura e ciência 2003. EDIPUCRS, 2004. p. 153
- ↑ Fuentes, Carlos. The buried mirror: reflections on Spain and the New World. Houghton Mifflin Harcourt, 1999. p. 201
- ↑ Bury, John. "Os doze Profetas de Congonhas do Campo". In: Arquitetura e Arte no Brasil Colonial. Brasília: IPHAN/Programa Monumenta, 2006. pp. 46-47
- ↑ Biscardi, Afrânio; Rocha, Frederico Almeida "O Mecenato Artístico de D. Pedro II e o Projeto Imperial". In: 19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte, maio de 2006
- ↑ a b Oliveira, Myriam Andrade Ribeiro de. A Imagem religiosa no Brasil. In Aguilar, Roberto (org). Mostra do Redescobrimento: Arte Barroca. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo / Associação Brasil 500 Anos, 2000. p.65
- ↑ a b c Rodrigues, Abelardo. "O Tesouro dos Santos Barrocos". In: Enciclopédia Bloch - Revista Mensal de Cultura, ano I, nº 7, novembro de 1967, pp. 64-73
- ↑ a b c Marcondes, Maria José de Azevedo & Pancheri, Viviane Bosso. Preservação do Patrimônio Artístico: Mapeamento dos Bens Móveis Tombados Pertencentes ao Período do Barroco Brasileiro. UNICAMP, 2007. Resumo.
- ↑ a b c d Medeiros, Gilca Flores de. "Por que preservar, conservar e restaurar?". In: Calendário Museológico. Superintendência de Museus do Estado de Minas Gerais, 2005
- ↑ Costa. pp. 63-64
- ↑ Tirapeli, Percival. "A Igreja como Centro Irradiador de Cultura no Brasil Colonial". In: Tirapeli, Percival (ed). Arte Sacra Colonial: barroco memória viva. UNESP, 2005. pp. 8-11
- ↑ Araújo, Emanuel. "O Universo Mágico do Barroco Brasileiro". In: Araújo, Emanuel (curador). O Universo Mágico do Barroco Brasileiro. São Paulo: SESI, 1998.
- ↑ Araújo. p. 18
- ↑ a b c d e Salvat, Ana Paula dos Santos. "A questão da autenticidade no display: O caso da arte barroca brasileira na Mostra do Redescobrimento". In: Curso História da Arte. Barroco Global: Pesquisa e Ensino de História da Arte no Mundo Global - Projeto: Novas Histórias da Arte: Conectando Idéias, Objetos e Instituições na América Latina. Unifesp, 2012
- ↑ a b c d e Hansen, João Adolfo. Barroco Brasileiro, Petit Palais & Ruína. IN Prado, Maria Lígia Coelho & Vidal, Diana Gonçalves. À margem dos 500 anos: reflexões irreverentes. Volume 7 de Estante USP-Brasil 500 anos. EdUSP, 2002. p. 236
- ↑ a b c d Araújo, pp. 16-17
- ↑ Oliveira, Lúcia Lippi. Cultura é patrimônio: um guia. FGV Editora, 2008. p. 17
- ↑ a b Alcântara, Ailton S. de. Paulistinhas: Imagens sacras, singelas e singulares. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2008, p. 38
- ↑ a b c d e f g h i Algranti, Leila Meza. "Famílias e Vida Doméstica". In: Novais, Fernando (diretor da coleção) & Souza, Laura de Mello e (organizadora do volume). História da Vida Privada no Brasil, vol. 1: Cotidiano e vida privada na América portuguesa. Companhia das Letras, 1997, 10ª reimpressão, pp. 90-119
- ↑ Mott, Luiz. "Cotidiano e Vivência Religiosa: entre a capela e o calundu". In: Novais, Fernando (diretor da coleção) & Souza, Laura de Mello e (organizadora do volume). História da Vida Privada no Brasil, vol. 1: Cotidiano e vida privada na América portuguesa. Companhia das Letras, 1997, 10ª reimpressão, p. 172
- ↑ Mott, pp. 158-159; 172-174; 194
- ↑ a b c d e f Monteiro, Donald Bueno. "Música Religiosa no Brasil Colonial". In: Fides Reformata, ano XIV, Nº 1 (2009): 75-100
- ↑ Frade, Gabriel. Arquitetura sagrada no Brasil: sua evolução até as vésperas do Concílio Vaticano II. Edições Loyola, 2007. pp. 51-59
- ↑ a b c Frade. pp. 60-64
- ↑ Souza, Alberto. Igreja franciscana de Cairu: a invenção do barroco brasileiro. Portal Vitruvius
- ↑ Fernandes, José Manuel. "Arquitectura do Mundo Lusófono". In: Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas. Número 11, Outubro-Dezembro de 2000
- ↑ Pontes, Ana Paula Gonçalves. Diálogos Silenciosos: arquitetura moderna brasileira e tradição clássica. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, PUC-Rio, p. 77
- ↑ a b c d Telles, Augusto C. da Silva. "O Barroco no Brasil: Análise da bibliografia crítica e colocação de pontos de consenso e de dúvidas". In: Araújo, Emanuel (curador). O Universo Mágico do Barroco Brasileiro. São Paulo: SESI, 1998. p. 69
- ↑ Oliveira, Myriam A. R. de. "A Arquitetura e as Artes Plásticas no Século XVIII Brasileiro". In: Araújo, Emanuel (curador). O Universo Mágico do Barroco Brasileiro. São Paulo: SESI, 1998, p. 78.
- ↑ a b Frade, pp. 66-68
- ↑ Oliveira, Carla Mary da Silva. "A glorificação dos Santos franciscanos do Convento de Santo Antônio da Paraíba: Algumas considerações sobre pintura, alegoria barroca e produção artística no período colonial". In: Fênix - Revista de História e Estudos Culturais. Vol. 3, ano III, nº 4. Out/dez de 2006.
- ↑ a b c Costa, Lúcio. "A arquitetura dos jesuítas no Brasil". In: Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 5, p.105-169, 1941
- ↑ Argolo, José Dirson (coord). O Convento Franciscano de Cairu. IPHAN/Monumenta, 2010
- ↑ Convento de Santo Antônio do Paraguaçu. Faced/UFBA
- ↑ Historic Town of Ouro Preto. UNESCO/CLT/WHC
- ↑ Advisory Body Evaluation. Historic Centre of the Town of Diamantina. UNESCO/CLT/WHC
- ↑ Historic Centre of São Luís. UNESCO/CLT/WHC
- ↑ Historic Centre of the Town of Goiás. UNESCO/CLT/WHC
- ↑ a b c d e f Ramalho, Priscila. "Preservar é preciso". In: Nova Escola. Abril Cultural, fevereiro de 2000
- ↑ Vianna, Rosângela. "Editorial". In: Guia Cultural do Rio de Janeiro. Câmara de Cultura, ano 2, nº 10, s/pp
- ↑ Guimarães, Marian. "Um patrimônio à beira-mar". Gazeta do Povo, 19/03/2009
- ↑ Santos, Vânia Ferreira dos. "Projeto de um siatema de sinalização adequado para um roteiro de visitação turística histórica de Cananéia". I Simpósio sobre Comunicação Visual Urbana. Laboratório da Imagem da Comunicação Visual Urbana – LABIM / Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo FAU-USP, 25 de setembro de 2005
- ↑ Romero, Maria Rosilane Zoch (ed.). Projeto Rio Pardo 200 Anos: Uma Luz para a História Riograndense. Gazeta do Sul, nº 6, março de 2009
- ↑ Zanettini, Paulo Eduardo. Maloqueiros e seus palácios de barro: o cotidiano doméstico na Casa Bandeirista. Tese de Doutorado. USP, 2005
- ↑ "Casa das 11 janelas abriga espaço cultural". Folha UOL, 04/08/2003
- ↑ Santa Cruz: das Terras de Piracema ao NOPH/Ecomuseu: Era Jesuítica. Ecomuseu
- ↑ Sede da Fazenda Mato de Pipa. Inepac / Sec. de Cultura do Estado de Rio de Janeiro
- ↑ Comissão de Patrimônio Cultural da Universidade de São Paulo. Guia de Museus Brasileiros. São Paulo: Edusp, 2000. 370 p.
- ↑ Solar Ferrão (Salvador, BA). Iphan
- ↑ Pereira, Rubem Carneiro de Almeida. "Velhos Solares de Quissamã". In: Mensário do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 13 (2): 39-56, fev. 1982.
- ↑ UNESCO - Patrimônio mundial no Brasil. Brasília: UNESCO, Caixa Econômica Federal, 2002, 2ª edição.
- ↑ Nepomuceno, Luís André. A musa desnuda e o poeta tímido: o petrarquismo na arcádia brasileira. Annablume, 2002, pp. 87-93
- ↑ Casa de Câmara e Cadeia (Ouro Preto, MG). Portal do Iphan
- ↑ Casa de Câmara e Cadeia (Mariana, MG). Iphan
- ↑ Memorial da Câmara Municipal de Salvador
- ↑ "Lauro Sodré: mergulho na história política". Diário do Pará, 22/01/2012
- ↑ Paço Imperial (Rio de Janeiro, RJ). Iphan
- ↑ "Palácio dos Leões ganha espaço de visitação virtual". Blog Oficial do Governo do Estado do Maranhão
- ↑ Palácio Rio Branco. Ipac
- ↑ Palácio Arquiepiscopal (Salvador, BA). Iphan
- ↑ Rodrigo Espinha. Ouro Preto: Cidade Barroca. Universidad Pablo de Olavide, Sevilha
- ↑ Casimiro, Ana Palmira Bittencourt Santos. A redescoberta do Barroco Brasileiro e os desafios da pesquisa em um arquivo colonial. Unicamp.
- ↑ Telles, Augusto Carlos da Silva. Atlas dos monumentos históricos e artísticos do Brasil. MEC/SEAC/FENAME. 1980. pp. 232-235
- ↑ Bury, John B. The "borrominesque" churches of colonial Brazil. The Art Bulletin. v.37 n.1, 1955
- ↑ Oliveira, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó religioso no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. pp. 221-231
- ↑ Miranda, Selma Melo. "Nos bastidores da Arquitetura do Ouro: Aspectos da produção da Arquitetura Religiosa no século XVIII em Minas Gerais". In: Actas del III Congreso Internacional del Barroco Americano: Territorio, Arte, Espacio y Sociedad. Universidade Pablo de Olavide, Sevilha, 8 a 12 de outubro de 2001
- ↑ Araújo, Maria Lucília Viveiros. "O painel do forro da capela-mor da Igreja dos Terceiros Franciscanos". I; Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Julho/Setembro de 2006, Vol. 3, Ano III, nº 3. pp. 5-8
- ↑ Costa, pp. 65-68
- ↑ Pifano, Raquel Quinet. "Pintura Colonial Brasileira: o atravessamento do texto". In: Anais do 18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas: Transversalidades nas Artes Visuais. Salvador, Bahia, 21 a 26/09/2009. pp. 2604; 2607-2612
- ↑ a b c Valladares, Clarival do Prado. "Notícia sobre a pintura religiosa monumental no Brasil". In: Araújo, Emanuel (curador). O Universo Mágico do Barroco Brasileiro. São Paulo: SESI, 1998, p. 200
- ↑ Costa. pp. 60-61
- ↑ Abreu, Jean Luiz Neves. "Difusão, produção e consumo das imagens visuais: o caso dos ex-votos mineiros do século XVIII". In: Revista Brasileira de História. vol.25 no.49 São Paulo Jan./June 2005
- ↑ Gouvêa, Fernando da Cruz. Maurício de Nassau e o Brasil Holandês. Editora Universitária UFPE, 1998. pp. 143-149
- ↑ a b c Leite, José Roberto Teixeira. "Pintura Colonial Brasileira". In: Silva, Raul Mendes (coord). Sociedade e Natureza na História da Arte do Brasil. Rumo Certo, 2007.
- ↑ Leite, Pedro Queiroz. "Imagem Peregrina: a sobrevivência de uma estampa entre fins do século XVIII e meados do século XIX". IN Anais do II Encontro Nacional de Estudos da Imagem. Londrina, 11-14 de maio de 2009, p. 462
- ↑ Andrade, Rodrigo M. F. de. "Prefácio". In: Del Negro, Carlos. Contribuição ao Estudo da Pintura Mineira. Rio de Janeiro: IPHAN, 1958.
- ↑ Freire, Laudelino Oliveira. Um Século de Pintura (1816-1916): Introdução. Disponível em Pitoresco.com.
- ↑ a b Araújo, Emanuel Santos de. "A imaginária religiosa na produção de Fia". In: Anais do II Encontro Estadual de História, Universidade Estadual de Feira de Santana, de 27 a 30 de julho de 2004
- ↑ a b c Batista, Marta Rossetti. Coleção Mário de Andrade: religião e magia, música e dança, cotidiano. EdUSP, 2004. pp. 65-66
- ↑ a b Oliveira, Myriam Andrade Ribeiro de. "A Escola Mineira de Imaginária e suas Particularidades". In: Coelho, Beatriz. Devoção e arte: imaginária religiosa em Minas Gerais. EdUSP, 2005. pp. 15-26
- ↑ Alcântara, p. 64
- ↑ Alcântara, p. 43
- ↑ Coelho, Beatriz. "Materiais, Técnica e Conservação". In: Coelho, Beatriz. Devoção e arte: imaginária religiosa em Minas Gerais. EdUSP, 2005. pp. 238-241
- ↑ Flexor, Maria Helena Ochi. "Imagens de Roca e de Vestir na Bahia". In: Revista OHUN, Ano 2, nº 2. 2005. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia
- ↑ Oratórios Barrocos - Arte e Devoção na Coleção Casagrande. Museu de Arte Sacra de São Paulo
- ↑ a b Tirapeli, Percival. "Estilos barroco e rococó nos acervos dos palácios do governo paulista Imaginária, pintura, oratórios, mobiliário, prataria". In: Acervo Artístico dos Palácios: Panorama das Coleções. Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo
- ↑ Souto, Hilda. "A arte do presépio brasileiro". In: Revista Mundo e Missão, Pontifício Instituto Missões Exteriores, n.º 48, dezembro de 2000, p. 28
- ↑ Alcântara, pp. 6; 73-76
- ↑ a b c d Freire, Luiz Alberto Ribeiro. "A talha na Bahia do século XVIII". In: Cultura Visual, n. 13, maio/2010, Salvador: EDUFBA, p. 137-151.
- ↑ Oliveira, Myriam Andrade Ribeiro de & Justiniano, Fátima. Barroco e Rococó nas Igrejas do Rio de Janeiro. Distrito Federal: IPHAN/Programa Monumenta, 2008, p. 9
- ↑ Silva, Antônio Manoel dos Santos. "Literatura Barroca e Categorias não-Literárias". In: Tirapeli, Percival. Arte sacra colonial: barroco memória viva. UNESP, 2005, pp. 210-214
- ↑ Moisés, Massaud. História da literatura brasileira: Das origens ao romantismo. Cultrix, 2001, pp. 77-79
- ↑ a b Martins, José de Souza. "Mestiçagens da língua". Estadão, 22 de Maio de 2011
- ↑ Freire, José Ribamar Bessa. "Tradução e Interculturalidade: o passarinho, a gaiola e o cesto". In: ALEA, vol. 11, nº 2, jul-dez 2009, p. 321-338
- ↑ a b Villalta, Luiz Carlos. "O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura". In: Novais, Fernando (diretor da coleção) & Souza, Laura de Mello e (organizadora do volume). História da Vida Privada no Brasil, vol. 1: Cotidiano e vida privada na América portuguesa. Companhia das Letras, 1997, 10ª reimpressão, pp. 332-345
- ↑ Villas Bôas, Luciana. "Línguas da pregação. Os meninos da terra e as missões jesuíticas no Brasil (1549-1555)". In: Revista USP, n.81 São Paulo maio 2009
- ↑ Daher, Andréa. "Escrita e conversão: a gramática tupi e os catecismos bilíngües no Brasil do século XVI". In: Revista Brasileira de Educação. São Paulo: Anped, Mai/Jun/Jul/Ago, 1998, n° 8, pp. 31-43
- ↑ Agnolin, Adone. "Jesuítas e selvagens: o encontro catequético no século XVI". In: Revista de História, nº 144, São Paulo, julho de 2001
- ↑ Ainda que muito já tenha sido escrito sobre essa literatura nos vernáculos indígenas e nas línguas híbridas que foram construídas, enfocando seus aspectos linguísticos e sociológicos e seu conteúdo doutrinal e simbólico, ainda estão por ser feitos estudos que a analisem sob o prisma especificamente estético, estabelecendo - ou não - paralelos com o Barroco literário da tradição culta luso-brasileira.
- ↑ Castello, José Aderaldo. A Literatura Brasileira. Vol. 1: Origens e Unidade. EdUSP, 1999, pp. 22-23
- ↑ Bosi, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. Cultrix, 2001. pp. 36-43
- ↑ Bosi. pp. 43-46
- ↑ Vieira, Pe. Antônio. Sermão da Sexagésima. Wikisource
- ↑ Bosi. pp. 46-47
- ↑ Salvador, Fr. Vicente do. Historia do Brazil. Livro Primeiro, Capítulo Primeiro. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1889
- ↑ a b c d e f g h i Mariz, Vasco. História da Música no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.pp 33-47
- ↑ a b "Cerca de 2.500 obras resistem ao tempo". Entrevista com Régis Duprat. Folha online, 16/03/2000
- ↑ Corrêa, Sérgio de Vasconcellos. "Música Colonial Brasileira: Barroco (?) brasileiro". In: Tirapeli, Percival. Arte sacra colonial: barroco memória viva. UNESP, 2005. p. 242
- ↑ a b c Castagna, Paulo. A Produção Religiosa Nordestina e Paulista no Período Colonial e Imperial. Instituto de Artes da UNESP [1]
- ↑ Coro e Orquestra Armonico Tributo. Livreto do CD América Portuguesa, 1999
- ↑ Freitas, Mariana Portas de. "A Escola de Canto de Orgaõ do Padre Caetano de Melo de Jesus (Salvador da Baía, 1759-60): Uma súmula da tradição tratadística luso-brasileira do Antigo Regime". In: XVI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música (ANPPOM), Brasília – 2006, pp. 563-569
- ↑ "Partituras de Minas lutam contra traças e extravios". Folha online, 16/03/2000
- ↑ a b Karnal, Leandro. Teatro da Fé: Formas de Representação Religiosa no Brasil e no México do Século XVI São Paulo, Editora Hucitec, 1998.
- ↑ Flexor, Maria Helena Ochi. Imagens de Roca e de Vestir na Bahia. Revista Ohun. Ano 2, nº 2, 2005. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFBA.
- ↑ a b Lima, Evelyn Furquim Werneck. Arquitetura e dramaturgia: modelos iluminados da Corte refletidos na Casa de Ópera de Vila Rica e no Real Teatro São João (1770 – 1822). III Colóquio do Pólo de Pesquisa das Relações Luso-Brasileiras do Centro de Estudos do Real Gabinete Português de Leitura. 24-26 de abril de 2006.
- ↑ a b c d "Patrimônio neoclássico: Tese de museólogo prova que a maioria das igrejas da Bahia não tem estilo barroco". Correio da Bahia, 07/02/2006
- ↑ a b c Cavalcanti, Nireu Oliveira. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte. Zahar, 2004. pp. 298-300
- ↑ a b Gomes Júnior, Guilherme Simões. Palavra peregrina: o Barroco e o pensamento sobre artes e letras no Brasil. Volume 16 de Ensaios de cultura. EdUSP, 1998. pp. 48-50
- ↑ Peixoto, Fernanda Arêas. Diálogos brasileiros: uma análise da obra de Roger Bastide. EdUSP, 2000. pp. 61-62
- ↑ Gomes Junior. pp. 54-60
- ↑ Pontes, Heloisa. Destinos mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo, 1940-68. Companhia das Letras, 1998. pp. 25-26; 40
- ↑ Pontes, pp. 27-33
- ↑ Gomes Júnior. pp. 76-77
- ↑ Chacon, Vamireh. Deus é brasileiro: o imaginário do messianismo político no Brasil. Editora Record, 1990. p. 65
- ↑ Oliveira, Myriam Andrade Ribeiro de. "Prefácio". In: Bury, John. Arquitetura e Arte no Brasil Colonial / John Bury; organizadora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira - Brasília, DF: Iphan/Monumenta, 2005, pp. 9-10
- ↑ Pignatari, Décio. Semiótica da Arte e da Arquitetura. Atelie Editorial, 2004, p. 162
- ↑ a b Losekann, Silvana. Minas Gerais – Sabará investe para virar roteiro cultural para a Copa de 2014. Defender - Defesa Civil do Patrimônio Histórico, 11 de janeiro de 2011
- ↑ a b Lima, Liliane Obando Maia de Hollanda. "A Preservação do Patrimônio Histórico Cultural como Instrumento de Desenvolvimento Econômico". In: Revista Turismo, Junho de 2005
- ↑ a b Beni, Mario Carlos. Analise Estrutural Do Turismo. Senac, 1998, 3.ª ed., p. 94
- ↑ Passos, Maria José Spiteri Tavolaro. "Barroco Memória Viva: A extensão da universidade". In: Tirapeli, Percival (ed). Arte Sacra Colonial: barroco memória viva. UNESP, 2005 pp. 254-263.
- ↑ a b c Serviços Educacionais, Edições SM. "Produção de um guia turístico sobre a cidade de Ouro Preto". In: História: A Idade do Ouro do Brasil. Edições SM, vol. 7, 2012, anexo s/pp.
- ↑ a b c Cunha, Claudia dos Reis e. Restauração: Diálogos entre teoria e prática no Brasil nas experiências do IPHAN. Tese de Doutorado. FAUUSP, 2010, pp. 14-16; 62-67; 123-124
- ↑ Projeto Barroco na Bahia
- ↑ Ventura, Zuenir. "O Barroco é estilo ou será a alma do Brasil?" In: Revista Época, 13/12/2010
- ↑ Quagliato, Adriana Novaes. Mostra do Redescobrimento: Arte Barroca e Espetacularização. Dissertação de Mestrado. Campinas: Unicamp, 2007. Resumo
- ↑ a b c d e f Tirapeli, Percival. "Importância do Restauro na conservação do Patrimônio Artístico Brasileiro". In: Revista Restauro, 1974
- ↑ Cunha, p. 17
- ↑ Memória da Destruição: Rio - Uma história que se perdeu (1889 - 1965). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2002, pp. 5; 13
- ↑ França, Valéria. "Prédios escondem memórias de SP". In: Estadão, 13/10/2008
- ↑ Mosteiro de São Bento: A jóia Beneditina do Centro de São Paulo
- ↑ Espaço Cultural da Barroquinha. Fundação Gregório de Mattos, 07/12/2009
- ↑ A Catedral de Cuiabá. Arquidiocese de Cuiabá, 05/07/2009
- ↑ Histórico do Bairro do Recife. Portal da Prefeitura do Recife
- ↑ Franco, Sérgio da Costa. Guia Histórico de Porto Alegre. Porto Alegre: EDIUFRGS, 2006. 4ª ed., pp. 103–104; 352.
- ↑ Depredação dos monumentos históricos preocupa sociedade civil. Assessoria de Comunicação Fundação Pedro Calmon – Secult/BA, 6 maio 2011
- ↑ a b Pontifícia Comissão para a Conservação do Patrimônio Artístico e Histórico da Igreja. Circular letter regarding the cultural and pastoral training of future priests in their upcoming responsibilities concerning the artistic and historic heritage of the Church. Roma, 15/10/1992
- ↑ Bens Culturais Procurados. IPHAN: DID – Departamento de Identificação e Documentação
- ↑ "Minas Gerais sofre com ação de saqueadores e perde 100 peças de arte sacra em um ano". O Globo, 11/04/2009
- ↑ Programa Monumenta
- ↑ Iphan. Página oficial
- ↑ Sebastião, Walter. "Ouro Branco dá exemplo na recuperação da obra de mestre Ataíde" UAI, 25/07/2010
- ↑ Sebastião, Walter. "Obras de mestre Ataíde merecem mais atenção". UAI, 25/07/2010
- ↑ Araújo & Freitas, pp. 95-100
- ↑ a b Pinto, Carlos Augusto Ribeiro. Patrimônio Histórico, Identidade Cultural e Turismo. Monografia. Universidade de Brasília, 2006, s/pp.
- ↑ a b Pires, Fabiana Mendonça & Alvares, Lucia Capanema. "A Interação entre o patrimônio cultural e o visitante: A Sinalização Interpretativa nos casos de La Pedrera, Barcelona e da Casa do Baile, Pampulha". In: Revista Eletrônica da Faculdade Del Rey, Volume 1, Número 1, jan./jun 2010, pp. 4-24
- ↑ a b Cunha, p. 122
Ligações externas
Ver avaliações
Avaliar esta página
Categoria:
+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Igreja de São Francisco, Salvador.
O
Barroco no Brasil encontrou um terreno receptivo para um rico florescimento. Fez sua aparição no país no início do
século XVII, introduzido por
missionários católicos, especialmente
jesuítas, que para lá se dirigiram a fim de
catequizar e
aculturar os
povos indígenas, no contexto da
colonização portuguesa daquelas terras vastas e virgens, descobertas pelos europeus há meros cem anos. Ao longo do período colonial vigorou uma íntima associação entre a Igreja e o Estado, mas como na colônia não havia uma corte e tampouco as elites se preocuparam em construir palácios ou patrocinar as artes profanas senão no fim do período, deriva que a vasta maioria do legado barroco brasileiro esteja na
arte sacra: estatuária, pintura e obra de talha para decoração de igrejas e conventos ou para culto privado.
As características mais típicas do
Barroco, descrito usualmente como um
estilo dinâmico, ornamental, dramático, cultivando os contrastes e a expressão emocional, mais seu caráter narrativo e sua plasticidade sedutora, veiculam um conteúdo programático articulado com requintes de
retórica e grande
pragmatismo. A arte barroca brasileira foi uma arte em essência funcional, prestando-se muito bem aos fins a que foi posta a servir: além de sua função puramente decorativa, facilitava a absorção da doutrina católica e dos costumes europeus pelos neófitos - índios e logo em seguida negros - mas também fomentava o cultivo e confirmava a fé e as tradições dos conquistadores cristãos, que haviam chegado para dominar e explorar todo esse grande território, impondo-lhe sua cultura. Com o passar do tempo, os elementos dominados, neste caso mais o negro do que o índio, mais os artesãos populares de uma sociedade em processo de integração e estabilização, começaram a dar ao Barroco importado feições novas, originais, e por isso considera-se que essa aclimatação constitua um dos primeiros testemunhos da formação de uma cultura genuinamente nacional.
O poema épico
Prosopopeia (1601), de
Bento Teixeira, é um dos seus marcos iniciais. Atingiu o seu apogeu na literatura com o poeta
Gregório de Matos e com o orador sacro
Padre Antônio Vieira, e nas artes plásticas seus maiores expoentes foram
Aleijadinho e
Mestre Ataíde. No campo da
arquitetura esta escola se enraizou profundamente no Nordeste e em
Minas Gerais, mas deixou grandes e numerosos exemplos também por quase todo o restante do país, do
Rio Grande do Sul ao
Pará. Quanto à
música, por relatos literários sabe-se que foi também pródiga, mas ao contrário das outras artes, quase nada se salvou. Com o desenvolvimento do
Neoclassicismo a partir das primeiras décadas do
século XIX, a tradição barroca caiu progressivamente em desuso, mas traços dela seriam encontrados em diversas modalidades de arte até os dias de hoje.
Grande número de edificações e peças individuais de arte barroca já foram protegidas pelo governo brasileiro em suas várias instâncias, através de
tombamento ou outros processos, atestando o reconhecimento oficial da importância do Barroco para a história da
cultura brasileira. Centros históricos barrocos como os de
Ouro Preto e
Salvador, e conjuntos artísticos como o do
Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, receberam o estatuto de
Patrimônio da Humanidade pela chancela da
Unesco, e essa herança preciosa é um dos grandes atrativos do
turismo cultural no país, ao mesmo tempo em que se torna um ícone identificador do Brasil, tanto para naturais da terra como para os estrangeiros.
Apesar de sua importância, boa parte da arquitetura e das obras de arte barrocas do Brasil estão em mau estado de conservação e exigem restauro urgente e outras medidas conservadoras, verificando-se frequentemente perdas ou degradação de exemplares valiosos em todas as modalidades artísticas; o país ainda tem muito a fazer para preservar parte tão importante de sua história, tradição e cultura. Por outro lado, parece crescer a conscientização da população em geral sobre a necessidade de proteger um patrimônio que é de todos e que pode reverter em benefício de todos, um benefício até econômico, se bem manejado e conservado. Museus nacionais a cada dia se esforçam por aprimorar suas técnicas e procedimentos, a bibliografia se avoluma, o governo têm investido bastante nesta área e até mesmo o bom mercado que a arte barroca nacional sempre encontra ajuda na sua valorização como peças merecedoras de atenção e cuidado.
Características e contexto
O modelo europeu e seu abrasileiramento
-
O Barroco nasceu na
Itália na passagem do
século XVI para o
século XVII, em meio a uma das maiores crises espirituais que a Europa já enfrentara: a
Reforma Protestante, que cindiu a antiga unidade religiosa do continente e provocou maciça deserção de fiéis católicos, além de acarretar um rearranjo político internacional em que a Igreja Católica, outrora todo-poderosa, perdeu força e espaço.
[1] Foi um
estilo de reação contra o
classicismo do
Renascimento, cujas bases giravam em torno da
simetria, da proporcionalidade, da economia, da racionalidade e do equilíbrio formal. Assim, a
estética barroca primou pela assimetria, pelo excesso, pelo expressivo e pela irregularidade, tanto que o próprio termo "barroco", que nomeou o estilo, designava uma pérola de formato bizarro e irregular. Além de uma tendência estética, esses traços constituíram uma verdadeira forma de vida e deram o tom a toda a cultura do período, uma cultura que enfatizava o contraste, o conflito, o dinâmico, o dramático, o grandiloquente, a dissolução dos limites, junto com um gosto acentuado pela opulência de formas e materiais, tornando-se um veículo perfeito para a
Igreja Católica da
Contra-Reforma e as
monarquias absolutistas em ascensão expressarem visivelmente seus ideais de glória e pompa. As estruturas monumentais erguidas durante o Barroco, como os
palácios e os grandes
teatros e
igrejas, buscavam criar um impacto de natureza espetacular e exuberante, propondo uma integração entre as várias linguagens artísticas e prendendo o observador numa atmosfera
catártica,
apoteótica, envolvente e apaixonada. Essa estética teve grande aceitação na
Península Ibérica, em especial em
Portugal, cuja cultura, além de essencialmente católica e monárquica, em que se uniam oficialmente Igreja e Estado e se delimitavam fronteiras frouxas e indistintas entre o público e o privado, estava impregnada de
milenarismo e do
misticismo herdado dos
árabes e
judeus, favorecendo uma religiosidade onipresente e supersticiosa, caracterizada pela intensidade emocional. E de Portugal o movimento passou à sua colônia na
América, onde o contexto cultural dos
povos indígenas, marcado pelo ritualismo e festividade, forneceu um pano de fundo receptivo.
[2][3][4][5]
O Barroco apareceu no Brasil quando já se haviam passado cerca de cem anos de presença colonizadora no território. A população já se multiplicava nas primeiras vilas e alguma cultura autóctone já lançava raízes, embora os colonizadores ainda lutassem por estabelecer uma infraestrutura essencial - contra uma natureza ainda selvagem e povos indígenas nem sempre amigáveis - até onde permitisse sua condição de
colônia pesadamente explorada pela metrópole. Nesta sociedade em trabalhos de fundação se instaurou a
escravatura como base da força produtiva.
[6][7][8][9] Nasceu o Barroco, pois, num terreno de luta e conquista, mas não menos de deslumbramento diante da paisagem magnífica, sentimento que foi declarado pelos colonizadores desde o início.
[10][11] Florescendo nos longos séculos de construção de um novo e imenso país, e sendo uma corrente estética e espiritual cuja essência e vida está no contraste, no drama, no excesso, talvez mesmo por isso pôde espelhar a magnitude continental da empreitada colonizadora deixando um conjunto de obras-primas igualmente grandioso. O Barroco, então, confunde-se com, e dá forma a, uma larga porção da identidade e do passado nacionais.
[6][12][13] Não por acaso
Affonso Romano de Sant'Anna o chamou de
"a alma do Brasil".
[6] Significativa parte desta herança artística hoje é
Patrimônio da Humanidade.
[12]
O Barroco no Brasil foi formado por uma complexa teia de influências europeias e adaptações locais, embora em geral coloridas pela interpretação portuguesa do estilo. É preciso lembrar que o contexto em que o Barroco se desenvolveu na colônia era completamente diverso daquele que lhe dera origem na Europa. Aqui tudo ainda estava "por fazer". Por isso o Barroco brasileiro, apesar de todo ouro nas igrejas nacionais, já foi acusado de pobreza e ingenuidade quando comparado com o europeu, de caráter erudito, cortesão, sofisticado, muito mais rico e sobretudo
branco, pois grande parte da produção local tem de fato uma técnica rudimentar, criada por artesãos com pouco estudo, grande parte deles escravos, negros ou índios. Mas essa feição mestiça e inculta, tantas vezes definida por sua espontaneidade
naïf, é um dos elementos que lhe empresta originalidade e tipicidade. Além disso, a comunicação entre os primeiros centros de povoação no litoral não era fácil, muitas vezes era mais prático recorrer diretamente a Lisboa para tudo. Natural que até o
século XVII os ensaios artísticos brasileiros se realizassem muitas vezes em condições precárias onde imperava o improviso e o amadorismo, e muito sem o conhecimento do que se passava em outros lugares da colônia, dando origem a interpretações idiossincráticas do estilo.
[4][13][14][15][16]
Um índio anônimo no
século XVII produziu este
Cristo açoitado, hoje no
Museu de Arte Sacra de Pernambuco, onde se percebe uma pletora de influências estilísticas exóticas.
Anônimo:
Êxtase de Santa Teresa, Igreja do Convento do Carmo, São Cristóvão. A espontaneidade
naïf ou ingênua é uma característica de grande parte do barroco brasileiro.
O frequente contato com a Metrópole, por outro lado, possibilitou à arte colonial ter acesso a uma ininterrupta fonte de novas informações, sem que isso impedisse variações e interpretações locais. Os religiosos ativos no Brasil, oriundos de diversos países, muitos deles literatos, arquitetos, pintores e escultores, contribuíram para esta complexidade trazendo sua variada formação, que receberam em países como
Espanha,
Itália e
França, além do próprio Portugal, e serviam como disseminadores, fundando escolas. O contato com o oriente, através das companhias de comércio marítimo, também deixou sua marca, visível em algumas pinturas orientalizantes, em
lacas,
porcelanas e estatuetas de
marfim. No início do
século XVIII, já existindo uma melhor comunicação interna e melhores condições de trabalho, começavam a circular nos ateliês do país diversos tratados teóricos e manuais práticos sobre arte, e os artistas locais buscavam avidamente reproduções em
gravura de obras europeias, antigas e coevas, que lhes apresentavam uma
iconografia muito heterogênea usada como modelo formal e adaptada em larga escala nas criações nacionais. A partir de 1760 observou-se a penetração da influência francesa, originando uma outra derivação, mais elegante, variada e leve, o chamado
Rococó, que floresceu mais expressiva nas igrejas de Minas Gerais. Neste cadinho de influências diversificadas encontram-se até elementos de estilos já obsoletos como o
gótico e o
renascentista. É do resultado de todos estes entrecruzamentos que nasceu o original, eclético e por vezes contraditório Barroco que hoje se vê espalhado em praticamente todo o litoral do país e em grande parte de seu interior. A
região Amazônica foi a menos afetada, a última a ser povoada. O sul também é relativamente pobre em herança barroca.
[4][7][13][17][18]
No fim do século XVIII o Barroco já estava perfeitamente aclimatado ao contexto nacional, já tendo dado inumeráveis frutos anteriores de alto valor. Foi quando apareceram em Minas Gerais - um dos maiores pólos culturais e econômicos do Brasil daquela época - as duas figuras célebres que o levaram a uma culminação, e que iluminaram também o seu fim como corrente estética dominante:
Aleijadinho na arquitetura e na escultura, e na pintura
Mestre Ataíde. Eles epitomizam uma arte que havia conseguido amadurecer e se adaptar ao ambiente de um país tropical e dependente da Metrópole, ligando-se aos recursos e valores regionais e constituindo um dos primeiros grandes momentos de originalidade nativa, de brasilidade genuína.
[7][13] Mas o chamado "Barroco mineiro" mais típico, que eles representam tão bem, para muitos estudiosos já não é mais propriamente Barroco, e sim Rococó, o que reflete as dúvidas ainda existentes entre a crítica sobre se o Rococó é um estilo independente ou se representa apenas a fase final do Barroco. Ao longo deste artigo ambos serão tratados como uma unidade.
[19][20][21][22][23][24][25]
De qualquer maneira, o grande ciclo artístico de onde aqueles artistas surgiram foi logo depois abruptamente interrompido com a imposição oficial da novidade
neoclássica, a partir da
chegada da corte portuguesa ao Brasil em 1808 e da atividade da
Missão Artística Francesa.
[7][26] A partir de então, perdendo o favorecimento oficial e das elites, o Barroco iria gradualmente se dissolver. Mas é prova do vigor com que frutificou no país o fato de que seus ecos seriam ouvidos, em centros provincianos especialmente, praticado por artesãos populares, até a contemporaneidade, ainda que alguns autores estabeleçam o início do século XX como o encerramento do ciclo do Barroco em território brasileiro. De fato, vários escritores já afirmaram que o Barroco nunca morreu e continua muito vivo na cultura nacional, sendo constantemente reinvocado e reinventado.
[7][27][28][3][18][29][30]
O papel da Igreja Católica
Na
Europa, a
Igreja Católica foi, ao lado das cortes, a maior
mecenas de arte neste período. Na imensa colônia do Brasil não havia corte, a administração local era confusa e morosa, e assim um vasto espaço social permanecia vago para a ação da Igreja e seus empreendedores
missionários, que administravam além dos ofícios divinos uma série de serviços civis como os registros de nascimento e óbito, estavam na vanguarda da conquista do interior do território servindo como pacificadores dos povos indígenas e fundando novas povoações, organizavam boa parte do espaço urbano no litoral e dominavam o ensino e a assistência social mantendo colégios e orfanatos, hospitais e asilos. Construindo grandes templos decorados com luxo, encomendando peças musicais para o culto e dinamizando imensamente o ambiente cultural como um todo, e é claro ditando as regras na temática e na maneira de representação dos personagens do
Cristianismo, a Igreja centralizou a arte colonial brasileira, com rara expressão profana notável. No Brasil, então, quase toda arte barroca é arte religiosa. A profusão de igrejas e escassez de palácios o prova. Lembre-se ainda que o templo católico não era apenas um lugar de culto, mas era o mais importante espaço de confraternização do povo, um centro de transmissão de valores sociais básicos e amiúde o único local relativamente seguro na muitas vezes turbulenta e violenta vida da colônia. Gradativamente houve um deslocamento neste equilíbrio em direção a uma
laicização, mas não chegou a se completar no período de vigência do Barroco. As instituições leigas começaram a ter um peso maior por volta do
século XVIII, com a multiplicação de demandas e instâncias administrativas na colônia que se desenvolvia, mas não chegaram a constituir um grande mercado para os artistas, não houve tempo. A administração civil ganhou força com a chegada da corte portuguesa em 1808, que transformou o perfil institucional do território.
[31][32]
O interior suntuoso da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Rio
Rica talha e estatuária na Basílica do Carmo, em Recife
A arte barroca como "contadora de histórias":
O beijo de Judas e Pedro cortando a orelha de Malchus, de
José Joaquim da Rocha
Assim como em outras partes do mundo onde existiu, o Barroco foi também no Brasil um estilo movido em boa parte pela inspiração religiosa, mas ao mesmo tempo dando enorme ênfase à sensorialidade e à riqueza dos materiais e formas, num acordo tácito e ambíguo entre glória espiritual e prazer dos sentidos. Este pacto, quando as condições permitiram, criou algumas obras de arte de enorme complexidade formal, que nos fazem admirar a perícia do artesão e a inventividade do projetista - amiúde anônimos e de extrato popular. Basta uma entrada num dos templos principais do Barroco brasileiro para os olhos de pronto se perderem numa explosão de formas e cores, onde as imagens dos santos são emolduradas por resplendores,
cariátides, anjos, guirlandas,
colunas e
entalhes em volume tal que em alguns casos não deixam um palmo quadrado de espaço à vista sem intervenção decorativa, com ouro a cobrir paredes e altares. Como disse
Germain Bazin,
"para o homem deste tempo, tudo é espetáculo".
[12][33]
Entenda-se essa prodigalidade decorativa na perspectiva da época: o religioso educava o povo em direção à apreciação das virtudes abstratas buscando seduzí-lo antes pelos sentidos corpóreos, especialmente através da beleza das formas. Mas tanta riqueza também era um tributo devido a
Deus, por Sua própria glória. Apesar da denúncia
protestante do excessivo luxo dos templos católicos, e da recomendação de austeridade pelo
Concílio de Trento, o Catolicismo na prática ignorou as restrições, pois compreendia que
"a arte pode seduzir a alma, perturbá-la e encantá-la nas profundezas não percebidas pela razão; que isso se faça em benefício da fé"'.
[34][35]
Esse cenário luxuriante era parte da própria essência da
catequese católica durante o Barroco, então largamente influenciada pelos preceitos da
Contra-Reforma. A arte da Igreja Católica contra-reformista definiu-se como
proselitista, foi concebida primariamente como instrumento de combate ao
protestantismo e resgate de fiéis evadidos, e deveria ser facilmente compreensível pelo povo, em larga medida analfabeto e dado ao cultivo de
superstições. No Brasil colônia a ameaça protestante não existia, mas seu povo incluía uma maioria de
pagãos - os negros e índios - e por isso o modelo continuava válido: precisava ser sedutora e didática, para que os pagãos fossem atraídos e convertidos, e os brancos parvos, bem ilustrados; seria para todos um meio de educação, impondo-lhes crenças, tradições e modelos de virtude e conduta. Ao mesmo tempo, fortaleceria a fé dos confirmados, estimulando seu aperfeiçoamento. Na sociedade colonial, onde havia abismos intransponíveis entre as classes sociais, onde imperava a escravidão e os índios e negros, na prática e com rara exceção, nem eram considerados seres humanos, mas mera propriedade privada, instrumento de exploração e fonte de lucro, uma religião unificada servia também como uma forma de amortecimento dessas graves desigualdades e tensões, possibilitando que o poder colonizador melhor as controlasse, e até as justificasse, na perspectiva da união formal entre Igreja e Estado, onde a Igreja em muito contribuía com sua doutrina e arte sacra para a manutenção do
status quo social e político. A educação e a catequese se estruturavam num modelo retórico, imitativo e descritivo, e durante o Barroco, muito por influência jesuítica, este modelo adquiriu um forte sentido cenográfico e declamatório, expressando-se cheio de alegorias, hipérboles e outras
figuras de linguagem, num discurso de largo voo e minuciosa argumentação, às vezes excessiva e rocambolesca para o gosto moderno. Tal característica se traduziu plasticamente na extrema complexidade da obra de
talha, nos fortes contrastes e na convoluta movimentação das formas estatuárias, pictóricas e arquiteturais das artes barrocas em todos os países onde o estilo prosperou, pois era a expressão visível do prolixo espírito da época, e que no Brasil se manifestou do mesmo modo, como não poderia deixar de fazê-lo.
[12][35][36][37][38][39] Segundo explicou
Alfredo Bosi,
Detalhe da
Virgem entregando o Menino Jesus a Santo Antônio, de
Mestre Ataíde, exemplo do lado doce do Barroco brasileiro
-
- "Nas entranhas da condição colonial concebia-se uma retórica para as massas que só poderia assumir em grandes esquemas alegóricos os conteúdos doutrinários que o agente aculturador se propusera incutir. A alegoria exerce um poder singular de persuasão, não raro terrível pela simplicidade de suas imagens e pela uniformidade da leitura coletiva. Daí o seu uso como ferramenta de aculturação, daí a sua presença desde a primeira hora da nossa vida espiritual, plantada na Contra-Reforma que unia as pontas do último Medievo e do primeiro Barroco".[39]
Além da beleza das formas e da riqueza dos materiais, durante o Barroco o Catolicismo se valeu enfaticamente do aspecto emocional do culto. O amor, a devoção e a compaixão eram visualmente estimulados pela representação dos momentos mais dramáticos da história sagrada, e assim abundam os
Cristos açoitados, as
Virgens com o coração trespassado de facas, os
crucifixos sanguinolentos, e as patéticas
imagens de roca, verdadeiros marionetes articulados, com cabelos, dentes e roupas reais, que se levavam em
procissões solenes e feéricas onde não faltavam as lágrimas e as mortificações físicas e os pecados eram confessados em alta voz.
[37] As festividades religiosas constituíam, na verdade, mais do que uma forma de expressão piedosa, eram também os mais importantes momentos de socialização coletiva na vida colonial, frequentemente se estendendo para dentro do ambiente privado.
[40] A intensidade desses eventos ficou registrada em muitos relatos de época, como o do padre Antônio Gonçalves, que participou de uma procissão da
Semana Santa em
Porto Seguro:
- "Nunca vi tantas lágrimas em Paixão como vi nesta, porque desde o princípio até o cabo, foi uma contínua grita e não havia quem pudesse ouvir o que o padre dizia. E isso assim em homens como em mulheres, e (referindo-se às autoflagelações) saíram umas cinco ou seis pessoas quase mortas, as quais por muito espaço não tornaram a si.... E houve pessoas que diziam desejarem de se irem meter em parte onde não vissem gente e fazerem toda sua vida penitência de seus pecados".[41]
Esse não foi um exemplo isolado, ao contrário, a mentalidade católica barroca era especialmente afeita ao exagero e ao drama, acreditava piamente em
milagres e a devoção às
relíquias e aos santos era uma prática geral, muitas vezes misturando-se a
superstições e práticas altamente heterodoxas, às vezes aprendidas dos índios e negros, que o clero tinha grande dificuldade de coibir, sempre temendo que os fiéis se desviassem para a
feitiçaria, o que os relatórios dos Visitadores da
Inquisição referiam acontecer em toda parte, mesmo entre o próprio clero mais ignorante. Como afirmou
Luiz Mott,
"malgrado a preocupação da Inquisição e da própria legislação real, proibindo a prática de feitiçarias e superstições, no Brasil antigo, em toda rua, povoado, bairro rural ou freguesia, lá estavam as rezadeiras, benzedeiras e adivinhos prestando tão valorizados serviços à vizinhança". Mas essa mesma devoção mística e passional, que tantas vezes adorou o trágico e o bizarro e se aproximou perigosamente da
heresia e da irreverência, plasmou também inúmeras cenas de êxtase e visões celestes,
Madonnas de graça ingênua e juvenil e encanto perene, e doces
Meninos Jesus cujo apelo ao coração simples do povo era imediato e sumamente efetivo.
[37][42][43] Novamente Bazin captou a essência do processo:
-
- "A religião foi o grande princípio de unidade no Brasil. Ela impôs às diversas raças aqui misturadas, trazendo cada uma um universo psíquico diferente, um mundo de representações mentais básico, que facilmente se superpôs ao mundo pagão, no caso dos índios e dos negros, através da hagiografia, tão adequada para abrir caminho ao cristianismo aos oriundos do politeísmo".[37]
As artes
Arquitetura
-
Edifícios da Igreja
Igreja de S. Francisco,
João Pessoa, uma adaptação bastante aproximada da igreja de Cairu.
Os primeiros edifícios sacros de algum vulto do Brasil foram erguidos a partir da segunda metade do
século XVI, quando algumas vilas já dispunham de população que o justificasse. Foram os casos de Olinda e Salvador. As mais simples empregaram a técnica do
pau-a-pique, sendo cobertas com folhas de palmeira, mas desde logo os missionários se preocuparam com o aspecto da durabilidade e solidez dos edifícios, preferindo sempre que possível edificar em
alvenaria, embora muitas vezes, por circunstâncias várias, fossem obrigados a usar a
taipa ou o
adobe. As plantas buscavam antes de tudo a funcionalidade, compondo basicamente um quadrilátero sem divisão em
naves e sem
capelas laterais, com uma fachada elementar que implantava um
frontão triangular sobre uma base retangular, e pode-se dizer que não havia, nesse período inaugural, maior preocupação com ornamentos. Este estilo, cuja austeridade remetia aos edifícios clássicos, conheceu-se pelo nome de
"arquitetura chã". Em 1577 chegou a Salvador o frei e arquiteto
Francisco Dias, com a missão declarada de introduzir melhoramentos técnicos e um refinamento estético nas igrejas da colônia. Trazia a influência de
Vignola, cujo estilo caíra no agrado da corte portuguesa, e fora o autor do primeiro templo barroco na Europa, a
Igreja de Jesus, em
Roma, que se tornou imediatamente um modelo para muitas outras igrejas jesuítas pelo mundo. No Brasil o modelo foi adaptado, prescindindo da
cúpula e do
transepto, mantendo o esquema da nave única, mas por outro lado se favoreceram as torres.
[44]
Igreja de São Francisco, Salvador
Apesar das melhorias, até meados do
século XVII os edifícios jesuítas, concentrados no nordeste, se mantiveram externamente nos tradicionais contornos de grande simplicidade, no que influenciaram outras ordens religiosas, reservando para os interiores o luxo que foi possível acrescentar, em altares entalhados, pinturas e estatuária. Entretanto, se os jesuítas foram bastante fiéis ao modelo italiano original, os franciscanos se permitiram introduzir variações nas fachadas, que podiam ser precedidas de um
alpendre ou incluir uma
galilé, enquanto que o
campanário se deslocava para trás. No interior, a
capela-mor franciscana tendia a ser menos profunda do que a jesuítica, e a ausência de naves laterais podia ser compensada por dois
deambulatórios longitudinais estreitos. Próxima deste modelo é a
Igreja de Santo Antônio em
Cairu, considerada a primeira a exibir traços claramente barrocos. Seu projetista, o frei
Daniel de São Francisco, criou a fachada num esquema de triângulo escalonado, com volutas fantasiosas no frontão e nas laterais; foi uma completa novidade, sem paralelos mesmo na Europa.
[45][46][47] Mas é de assinalar que, se por um lado as ornamentações de fachada e interior se tornaram cada vez mais suntuosas e movimentadas, tipificando o Barroco, as estruturas dos edifícios, ao longo de toda a trajetória do Barroco no país, pouco se afastaram do que determinava o estilo chão.
[48]
Durante a
dominação holandesa no nordeste muitas das edificações católicas foram destruídas, e na segunda metade do
século XVII, após a explusão dos invasores, o esforço principal se concentrou na restauração e reforma das estruturas pré-existentes, com relativamente poucas fundações novas.
[45] A esta altura o Barroco já era o estilo dominante. Mas recebia outras influências, como a de
Borromini, emprestando mais movimento às fachadas com a adição de aberturas em
arco, gradis, relevos e
óculos. Nos interiores, a decoração também ganhava em riqueza, mas os esquemas eram algo estáticos, no que se convencionou chamar de
"estilo nacional português".
[49]
Com o tempo, as fachadas adquiriam mais verticalidade e movimento, com aberturas em formas inusitadas - pera, losango, estrela, oval ou círculo - e os frontões, mais curvas, relevos em pedra e estatuária. Exemplos são a
Matriz de Santo Antônio e a
Concatedral de São Pedro dos Clérigos, em Recife, e em Salvador a
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
[50] Um fenômeno um tanto diferente se verificou nas
Reduções do sul, embora neste período aquele território ainda pertencesse à Espanha. Lá as construções mostraram desde logo um caráter mais monumental, e com uma maior variedade de soluções estruturais, com
pórticos, colunatas e
frontispícios elaborados. Também nas Reduções se desenvolveu um notável programa
urbanístico para o aldeamento dos indígenas. Hoje em ruínas, parte desse núcleo de arquitetura civil e religiosa sulina foi declarado
Patrimônio da Humanidade.
[45]
A partir de meados do
século XVIII, sob influência do Rococó francês, se percebe no exterior dos edifícios um aligeiramento nas proporções, tornando-os mais elegantes; as aberturas são mais amplas, permitindo uma maior penetração da luz externa, e o detalhamento nos relevos em pedra chega a um alto nível.
[7][51] O Rococó também deu importantes frutos no nordeste, como o
Convento e Igreja de São Francisco em
João Pessoa, considerado por Bazin a mais perfeita em seu gênero naquela região.
[52]
Deve-se ainda lembrar em todas as fases a contribuição popular em muitos projetos de comunidades mais pobres, em matrizes e pequenas capelas que pontilham os sertões brasileiros, contribuindo para a diversidade e simplificando proporções, ornamentos, técnicas e materiais em soluções criativas, de grande plasticidade.
[40][53] E paralelamente à construção de igrejas, os religiosos sempre construíram conventos, mosteiros, colégios e hospitais, alguns deles de avantajadas dimensões e que, nos dois primeiros casos, podiam ser decorados com um luxo comparável ao encontrado nas mais ricas igrejas.
[40][54][55]
Arquitetura civil
Típico casario colonial em
Paraty
Sede da Fazenda Tatu, em Limeira, em precário estado de conservação.
Sobrados azulejados em São Luís
O Paço Imperial, no Rio, antigo Paço dos Vice-Reis
Na arquitetura civil, privada ou pública, o Barroco deixou relativamente poucos edifícios de maior vulto, sendo em linhas gerais bastante modestos. Por outro lado, os conjuntos dos centros históricos de algumas cidades (
Salvador,
Ouro Preto,
Olinda,
Diamantina,
São Luís e
Goiás), declarados Patrimônio da Humanidade pela
Unesco, ainda permanecem em boa parte intactos, apresentando uma paisagem ininterrupta extensa e valiosíssima de arquitetura civil do barroco, com soluções urbanísticas muitas vezes originais e com farta ilustração de todas as adaptações do estilo aos diferentes estratos sociais e às suas transformações ao longo dos anos.
[40][56][57][58][59][60] Muitas outras cidades também preservam agrupamentos significativos de casario colonial, como
Paraty,
[61] Marechal Deodoro,
[62] Cananéia[63] e
Rio Pardo.
[64]
A residência, durante o período Barroco, caracterizou-se pela grande heterogeneidade de soluções estruturais e no uso dos materiais, muitas vezes empregando técnicas aprendidas com os índios, uma diversidade que se encontra entre ricos e pobres. Entretanto, no ambiente urbano a fórmula que se tornou mais frequente, herdada da
arquitetura portuguesa, foi de uma estrutura térrea, com fachada abrindo direto para a rua e pegada à das casas vizinhas, e com cômodos enfileirados, muitas vezes mal ventilados, mal iluminados e de uso múltiplo. Nessa estrutura simples, não raro ampliada em
sobrados de dois ou até quatro andares, os traços distintivos do Barroco podem ser mais facilmente identificados em alguns detalhes, como os telhados curvos com beirais terminados em pontas arrebitadas, os
arcos abatidos nas
vergas, os
caixilhos e
gelosias ornamentais nas janelas, em alguma pintura decorativa e azulejaria, já que de regra a residência colonial sempre teve estrutura muito austera e foi parcamente mobiliada e decorada. No interior rural a diversidade foi muito mais pronunciada.
[40]
Mereceriam nota muitos solares e antigas sedes de engenhos e fazendas, como as
casas bandeiristas,
[65] a
Casa das Onze Janelas,
[66] o
Solar do Visconde de São Lourenço, a
Fazenda Imperial de Santa Cruz,
[67] a
Fazenda Mato de Pipa[68] a
Fazenda de Sant'Ana, a
Fazenda Salto Grande, a
Fazenda Tatu,
[69] o
Solar Ferrão[70] e vários outros casarões rurais e urbanos de famílias abastadas, que se por um lado podem ser bastante espaçosos e confortáveis, até imponentes, em geral têm linhas muito despojadas e econômica decoração interna, e são muitas vezes apenas uma magnificação do modelo da habitação popular, privilegiando antes a funcionalidade do que o luxo. No litoral nordestino são notáveis os sobrados azulejados, pelo seu rico efeito decorativo e pelas soluções criativas que encontraram para amenizar os efeitos do clima úmido e quente da região, havendo uma grande concentração de exemplares no
Centro Histórico de São Luís.
[40][71][72]
O despojamento da arquitetura civil poderia causar surpresa no caso dos casarões da elite, dada a grande riqueza de muitas famílias radicadas na terra, mas explica-se pelo fato de que o contexto da vida colonial foi marcado pela dispersão, pela instabilidade e mobilidade, com famílias fracamente estruturadas, o que se refletiu no caráter provisório, simplificado e improvisado de tantas edificações, evitando-se gastos com o que seria, a princípio, usado por pouco tempo. Na verdade, quanto menos se gastasse na colônia, melhor, pois nos primeiros séculos da colonização boa parte dos portugueses se mudava para aqueles longínquos e ermos Brasis imaginando ficar só por temporada, ansiando voltar para Portugal tão pronto fizesse fortuna, deixando para trás uma terra admitidamente bela e rica, mas inóspita e selvagem, considerada de clima insalubre, onde a sobrevivência exigia árduo esforço e estava sempre em perigo - a vida na colônia era vista por muitos como um acabrunhante desterro.
[16][40][73] Desde o início do processo colonizador aquela sensação de impermanência ficara evidente, como se nota, por exemplo, na crítica do frei
Vicente do Salvador, formulada em 1627 em sua
Historia do Brazil, à ojeriza geral que despertava a ideia de ter o Brasil como residência definitiva:
-
- "Os povoadores, os quais por mais arraigados, que na terra estivessem, e mais ricos que fossem, tudo pretendiam levar a Portugal, e se as fazendas e bens que possuíam soubessem falar também lhes haveriam de ensinar a dizer como os papagaios, aos quais a primeira coisa que ensinam é 'papagaio real para Portugal'; porque tudo querem para lá, e isto não tem só os que de lá vieram, mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem, e a deixarem destruída".[16]
Além disso, mesmo as mais poderosas elites governantes se viam constantemente aflitas no cotidiano colonial por dificuldades, incertezas e carências de todos os tipos, como manifestas nas eternas queixas do
Marquês do Lavradio e outros oficiais do Reino, resultando que até seus próprios palacetes e os edifícios públicos mais importantes fossem pobres e acanhados comparativamente a congêneres portugueses.
[16][40] Do reduzido número de exemplos significativos na categoria dos palácios públicos se destacam algumas antigas Casas de Câmara e Cadeia, como a
de Ouro Preto, talvez a mais célebre, com uma rica e movimentada fachada onde há um
pórtico com colunas, escadaria monumental, torre e estatuária;
[74] a
de Mariana,
[75] e a
de Salvador,
[76] além dos palácios de uso misto como residência oficial e casa de despachos, como o
dos Governadores do Pará[77] e
dos Vice-Reis no Rio, que foi uma das residências da família reinante quando para a colônia se transferiu.
[78] Outros sobrevivem, mas tiveram suas características barrocas muito desfiguradas por reformas posteriores, como os paços dos Governadores
do Maranhão e
da Bahia.
[79][80] Embora pertencente à Igreja, deve ser incluso nesta categoria o importante
Palácio Arquiepiscopal de Salvador.
[81]
O caso mineiro
-
Igreja do Rosário dos Pretos, Ouro Preto
Minas teve a peculiaridade de ser uma área de povoamento mais recente, e pôde-se construir em estéticas mais atualizadas, no caso, o Rococó, e com mais liberdade, uma profusão de igrejas novas, sem ter de adaptar ou reformar edificações mais antigas já estabelecidas e ainda em uso, como era o caso no litoral, o que as torna exemplares no que diz respeito à unidade estilística. O conjunto das igrejas de Minas tem uma importância especial tanto por sua riqueza e variedade como por ser testemunho de uma fase bem específica na história brasileira, quando a região foi a "menina dos olhos" da Metrópole por suas grandes jazidas de ouro e diamantes.
[7]
A arquitetura mineira é interessante por se realizar geralmente em um terreno acidentado, cheio de morros e vales, dando uma forma atraente à urbanização das cidades. Mas não é isso o que torna Minas especial, já que a construção civil segue modelos formais comuns a toda arquitetura colonial brasileira. Entretanto, o caso mineiro tem o atrativo de constituir o primeiro núcleo no Brasil de uma sociedade eminentemente urbana.
[82] Várias das antigas cidades coloniais mineiras ainda guardam rica arquitetura da época. Os centros históricos de Ouro Preto e Diamantina são Patrimônio da Humanidade; muitas outras também preservaram ricas igrejas e casarios. De qualquer forma, suas características estilísticas distintivas são mais claramente expressas na arquitetura religiosa, nas igrejas que proliferam em grande número em todas essas cidades. Segundo Telles, a originalidade da edificação sacra mineira está em dois elementos:
- "a conjugação de curvas e de retas ou de planos, criando pontos e arestas de contenção, nas plantas, nos alçados e nos espaços internos;
- "a organização das frontarias tendo como centro de composição a portada esculpida em pedra-sabão; portadas que se constituem, visualmente, em núcleo, de onde derivam os demais elementos: pilastras, colunas, cimalhas, frontão, e para a qual eles convergem.[83]
Contudo, tais elementos só vieram a uma consumação perto do final do ciclo. No início do século as igrejas ainda derivavam suas plantas da matriz maneirista, com desenho retangular, fachada austera e frontão triangular, modelo exemplificado na
Catedral de Mariana.
Pedro Gomes Chaves introduziu em 1733 inovações importantes na
Matriz do Pilar em Ouro Preto, com uma fachada em planos disjuntos e uma planta retangular, mas cuja talha redefinia o espaço interno na forma de um
decágono.
[84] Originais de fato, sem precedentes tanto na arquitetura brasileira como na portuguesa, foram as igrejas projetadas por
Antônio Pereira de Sousa Calheiros, com destaque para a do
Rosário dos Pretos em Ouro Preto, com planta composta de três
elipses encadeadas, fachada em meio-
cilindro com uma galilé de três arcos, e torres cilíndricas.
[85]
Da mesma época é a fachada do
Santuário de Bom Jesus de Matosinhos. Seu frontispício lavrado em
pedra-sabão é tido como o primeiro exemplo brasileiro dessa solução decorativa, obra possivelmente de
Jerônimo Félix Teixeira. Hoje um Patrimônio da Humanidade, o santuário é caracterizado pela sua implantação cenográfica e monumental, abrigando ainda o maior e mais importante grupo de esculturas de
Aleijadinho. Na segunda metade do século foi construída a
Igreja do Carmo de Ouro Preto, com uma composição de fachada ainda mais ousada: o plano frontal cedeu lugar a uma parede ondulada, com torres circulares em recuo e
óculo trilobado. Traçada por
Manuel Francisco Lisboa, o pai de Aleijadinho, seu plano foi alterado em 1770 por
Francisco de Lima Cerqueira. Aleijadinho esculpiu a portada. Aleijadinho, junto com Cerqueira, se tornariam os arquitetos mais originais e importantes do Barroco brasileiro, e suas obras são a súmula das novidades que distinguem o Barroco/Rococó de Minas Gerais. Aliás, a contribuição de Cerqueira, longamente obscurecida pela grande fama do Aleijadinho, tem sido recentemente reavaliada, concedendo-se a ele uma importância possivelmente maior que a do outro no campo da arquitetura. Talvez o melhor exemplo de sua coautoria seja a
Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto. Diz a tradição que o projeto é do Aleijadinho, embora não haja documentação confirmatória. Sabe-se, porém, que Cerqueira modificou o plano original, e de certeza é do Aleijadinho apenas a escultura da portada. De qualquer forma o templo é considerado uma jóia de harmonia entre exterior e interior. Sua imagem já se tornou icônica, sendo possivelmente a igreja barroca mineira mais conhecida no Brasil e no estrangeiro.
[7][51][86][87]
-
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Diamantina
-
Igreja de Nossa Senhora do Carmo de Ouro Preto
-
Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas
-
A antiga Casa da Câmara e Cadeia de Ouro Preto, hoje o Museu da Inconfidência, e à direita um trecho de um típico casario colonial
Artes visuais
-
Sistema de produção
A condição social dos artistas e as circunstâncias de sua atuação no Brasil colonial ainda são objeto de polêmica. Não se sabe exatamente se sua atividade permanecia subordinada ao estatuto das artes mecânicas e artesanais ou se já era considerada parte das artes liberais. Ao que parece, uma forma corporativa semelhante à
guilda predominou até o advento do Império, organizada da seguinte maneira: o mestre ficava no topo da hierarquia, era responsável final pelas obras e pela formação e habilitação de novos aprendizes; abaixo estava o oficial, um profissional preparado, mas sem graduação para arrematar obras de vulto; em seguida vinham os auxiliares, os jovens aprendizes, e os escravos ficavam na base. Também há boas evidências para crer que mesmo tendo havido algum progresso no status social dos artistas perto do final do Barroco, os trabalhadores manuais como eles, onde se incluíam muitos escravos, ainda enfrentavam um arraigado desprezo por parte das elites.
[36][88]
Grupos temáticos
O hábito de inserir a pintura na talha é bem exemplificado no teto da Igreja de São Francisco, em Salvador
Detalhe de teto de José Joaquim da Rocha na técnica da arquitetura ilusionística
Mestre Ataíde: Detalhe da
Ascensão de Cristo, teto da Matriz de Santo Antônio em Santa Bárbara
A
pintura e a
escultura barrocas se desenvolveram como artes coadjutoras para obtenção do efeito cenográfico total da arquitetura sagrada, a igreja, onde todas as especialidades conjugavam esforços em busca de um impacto
sinestésico arrebatador. Uma vez que a arte barroca é essencialmente narrativa, cabe mencionar os principais grupos temáticos cultivados no Brasil. O primeiro é extraído do
Antigo Testamento, oferecendo visualizações didáticas da
cosmogênese, da criação do
Homem e dos fundamentos da fé dados pelos
patriarcas hebreus. O segundo grupo deriva do
Novo Testamento, centralizado em
Jesus Cristo e sua doutrina de
Salvação, temática elaborada através de muitas cenas mostrando seus
milagres, suas
parábolas, sua
Paixão e
Ressurreição, elementos que consolidam e justificam o Cristianismo e o diferenciam da
religião judaica. O terceiro grupo gira em torno dos retratos de autoridades da Igreja, os antigos patriarcas, os
mártires, santos e santas, os
clérigos notáveis, e por fim vem o grupo temático do
culto mariano, retratando a mãe de Jesus em suas múltiplas invocações.
[89]
Pintura
Como ocorreu em todas as artes, a Igreja Católica foi a maior patrona da pintura colonial. Para a Igreja a pintura tinha como função básica auxiliar na catequese e confirmar a fé dos devotos. A necessidade de ser facilmente compreensível pelo povo inculto significou que o desenho predominasse sobre a cor. O desenho, na conceituação da época, pertencia à esfera da
razão e definia a ideia a ser transmitida, e a cor fornecia a ênfase emocional necessária à melhor eficiência funcional do desenho. Desta forma, toda a pintura barroca é figurativa,
retórica e moralizante. Cada cena trazia uma série de elementos simbólicos que constituíam uma linguagem visual, sendo usados como palavras na construção de uma frase. O significado de tais elementos era, na época, de domínio público. As imagens dos santos mostravam seus atributos típicos, como os instrumentos do seu suplício, ou objetos que estiveram ligados à sua carreira ou ilustrassem suas virtudes. Por exemplo,
São Francisco podia aparecer rodeado de objetos associados à
penitência e à transitoriedade da vida: o
crânio, a
ampulheta, o
rosário, o livro, o
açoite e o
cilício.
[90]
Grande parte das pinturas barrocas brasileiras foi realizada em
têmpera ou
óleo sobre madeira ou tela, e inserida na decoração em talha. Sobrevivem alguns raríssimos exemplos da técnica do
afresco no Mosteiro de São Bento no Rio e na
Igreja dos Terésios em
Cachoeira do Paraguaçú, mas não há registro de popularização da técnica.
[91] Desde o início foram comuns os
ex-votos, e no
século XVIII se tornariam ainda mais disseminados. Eram em regra de fatura rústica, encomendados pelos devotos a artesãos populares, ou realizados pelo povo mesmo, em paga por alguma graça recebida ou em penhor de alguma promessa. Os ex-votos tiveram um papel importante no primeiro desenvolvimento da pintura colonial por constituírem uma prática frequente, o que se explica pelo cenário ainda selvagem onde as povoações se organizavam, onde não faltavam perigos de várias ordens, contra os quais a invocação dos poderes celestes para a ajuda e proteção era uma constante.
[92][93]
Do período inicial merecem citação alguns dos primeiros pintores atuantes no Brasil de que se sabe alguma coisa:
Baltazar de Campos, ativo no
Maranhão, produziu telas sobre a
Vida de Cristo para a sacristia da Igreja de São Francisco Xavier;
João Felipe Bettendorff, também no Maranhão, decorou as igrejas de
Gurupatuba e
Inhaúba, e Frei
Ricardo do Pilar, ativo no Rio com uma técnica que se aproxima da escola flamenga, foi autor de um célebre
Senhor dos Martírios.
Lourenço Veloso,
Domingos Rodrigues,
Jacó da Silva Bernardes e
Antonio Gualter de Macedo atuaram em diversos locais entre Pernambuco e Rio de Janeiro.
[91] Frei
Eusébio da Soledade, tido como fundador da escola baiana, pode ter estudado com
Frans Post e
Albert Eckhout, artistas da corte pernambucana de
João Maurício de Nassau, durante a dominação holandesa do Nordeste.
[94]
O século XVIII viu a pintura florir em quase todas as regiões do país, formando os germes de escolas regionais e sobrevivendo maior número de identidades individuais conhecidas. A esta altura já circulava uma vasta quantidade de
gravuras europeias, que reproduziam obras de mestres célebres ou ofereciam outros modelos iconográficos. Essas gravuras foram a principal fonte de inspiração para os pintores coloniais brasileiros, vários estudos já documentaram sua apropriação massiva de tais modelos, adaptando-os às necessidades e possibilidades de cada local. Serviam-lhes mesmo de escola, uma vez que não havia academias formais de arte e poucos eram os artistas bem preparados. Destes, quase só os missionários educados na Europa, os primeiros professores de pintura do Brasil. Contudo, como esse acervo iconográfico importado tinha um perfil muito heterogêneo, composto de imagens de diferentes épocas e estilos, decorre que a pintura barroca brasileira tem um caráter igualmente dinâmico e multifacetado, não sendo possível estudá-la sob um prisma de unidade e coerência formal.
[17][95][96]
Contribuiu para o enriquecimento da pintura setecentista a introdução, na década de 1730, por
Antônio Simões Ribeiro e
Caetano da Costa Coelho, em Salvador e no Rio respectivamente, das primeiras composições de
perspectiva arquitetural ilusionística no Brasil, uma técnica que logo ganhou muitos adeptos, com destaque para
José Joaquim da Rocha e a escola mineira.
[95][97] José Teófilo de Jesus merece nota pela singularidade de seu talento versátil, um dos maiores representantes da escola baiana, abordando temas
mitológicos e
alegóricos, raros na produção colonial. É um bom exemplo da vitalidade do Barroco brasileiro, pois suas obras de maior vulto surgiram já no
século XIX, permanecendo em atividade até cerca de 1847, pouco tocado pelo Neoclassicismo. No Rio, no nordeste, em São Paulo, já havia em meados do
século XVIII ativas escolas regionais. Mas foi em Minas, outro centro florescente, que nasceu e atuou
Mestre Ataíde, o maior mestre da pintura barroca brasileira e tido como um dos pioneiros na organização de uma estética nativa; pintou um teto muito louvado na Igreja de São Francisco de Ouro Preto, além de ter deixado muitas outras obras meritórias. É interessante ainda o belo acervo remanescente de
azulejaria pintada, em boa parte importado de Portugal, onde a técnica tinha grande aceitação, e que deu uma nota característica a inúmeros conventos, igrejas e casarios barrocos brasileiros.
[91][95][98]
-
Frei Ricardo do Pilar: Detalhe do Senhor dos Martírios, Mosteiro de São Bento, Rio
-
Caetano da Costa Coelho: Detalhe da Glorificação de São Francisco, 1732, teto da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, Rio
-
Anônimo: Ex-voto de invocação a São Benedito, século XVIII. Museu da Inconfidência, Ouro Preto
-
José Joaquim da Rocha: Glorificação dos Santos Franciscanos, Igreja do Convento de S. Antônio, João Pessoa
Estatuária
O Barroco originou uma vasta produção de
estatuária sacra. Parte integral da prática religiosa, a estatuária devocional encontrava espaço tanto no templo como no domicílio privado. As primeiras peças barrocas do país foram de importação portuguesa, e vieram com os missionários. Ao longo de todo o Barroco a importação de obras continuou, e muitas das que ainda existem em igrejas e coleções museais são de procedência europeia. Mas a partir do
século XVII começaram a se formar escolas locais de escultura, compostas principalmente por religiosos franciscanos e beneditinos, mas com alguns artesãos laicos, que trabalhavam principalmente o barro. Esta foi a técnica em que o indígena pôde contribuir mais ativamente, ensinando ao branco técnicas de pintura em cerâmica e conhecimentos sobre pigmentos vegetais como a
tabatinga e o
tauá que dominava há milênios.
[99]
Frei Agostinho de Jesus:
Nossa Senhora do Rosário,
século XVII, barro. Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo
São Francisco e o Cristo seráfico, e abaixo,
Nossa Senhora da Conceição, altar-mor da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, Rio
Aleijadinho: grupo escultórico
Cristo carregando a cruz,
século XIX, madeira. Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas.
Já os jesuítas deram preferência à madeira, que em breve viria a predominar. Índios reduzidos também deram sua colaboração como santeiros, especialmente nas
reduções do sul e em algumas do nordeste, e nesses casos muitas vezes traços étnicos índios são encontrados no rosto das imagens, como se verifica em algumas
esculturas dos Sete Povos das Missões. Criados aqui ou não, dificilmente haveria uma casa que não possuísse ao menos algum santo de devoção esculpido: a estatuária se tornou um bem de largo consumo, quase onipresente, com exemplares de grande porte, em tamanho natural ou mesmo maior, até peças miniaturizadas para uso prático em viagens. Salvador em especial tornou-se um centro exportador de estatuária para os mais distantes pontos do país, criando uma escola regional de tanta força que não conheceu solução continuidade senão no
século XX. Outra escola nordestina importante foi a de Pernambuco, com produção de alta qualidade mas ainda pouco estudada. A maioria das obras que sobrevivem permanece anônima; não costumavam ser assinadas e as análises de estilo muitas vezes não são suficientes para se determinar com precisão sua origem, uma vez que a iconografia seguia padrões convencionados que valiam por toda parte e o intercâmbio de obras pelo país era grande, mas alguns nomes foram preservados pela tradição oral ou através de recibos de pagamento de obras.
[100][101] Entre eles, podemos citar
Agostinho de Jesus, ativo no Rio e São Paulo, e frei
Agostinho da Piedade, de Salvador, considerados os fundadores da escultura brasileira;
José Eduardo Garcia,
Francisco das Chagas, o
Cabra,
Félix Pereira Guimarães e
Manuel Inácio da Costa, ativos em Salvador;
Francisco Xavier de Brito, atuando entre Rio e Minas,
Manoel da Silva Amorim, em Pernambuco,
Bernardo da Silva, da escola maranhense,
Simão da Cunha e
Mestre Valentim, no Rio de Janeiro. Na escola de Minas,
Francisco Vieira Servas,
José Coelho Noronha,
Felipe Vieira,
Valentim Correa Paes e
Bento Sabino da Boa Morte, entre outros.
[101][28]
Com a sedimentação da cultura nacional por volta da metade do
século XVIII, e com a multiplicação de artífices mais capazes, nota-se um crescente refinamento nas formas e no acabamento das peças, e aparecem imagens de grande expressividade. Como descreveu Ailton de Alcântara,
"é neste contexto que humildes, porém habilidosos homens, valendo-se da perspectiva formal que apreendiam por meio da pregnância, orientados apenas por tradição oral e pelo exercício de repetição, vão ser identificados no meio em que viviam como os fazedores de santos e diversos outros objetos de devoção".
[102] Entretanto, a importação de estatuária diretamente de Portugal continuou e mesmo cresceu com o enriquecimento da colônia, uma vez que as classes superiores preferiam exemplares mais bem acabados e de mestres mais eruditos. Ao mesmo tempo se multiplicaram as escolas regionais, com destaque para as do Rio, São Paulo, Maranhão, Pará, e Minas, onde a participação do negro e do mulato foi essencial e onde se desenvolveram traços típicos regionais mais distintos, que podiam incorporar elementos arcaizantes ou de várias escolas em sínteses ecléticas.
Aleijadinho representa o coroamento e a derradeira grande manifestação de escultura barroca brasileira, com obra densa e magistral espalhada na região de Ouro Preto, especialmente no
Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em
Congonhas, que possui uma série de grandes grupos escultóricos nas estações da
Via Crucis, em madeira policroma, e os célebres
Doze Profetas, de
pedra-sabão, no adro da igreja.
[100]
A maior parte da estatuária barroca brasileira acabou por ser criada em madeira policroma. O barro foi usado principalmente no início, embora nunca fosse abandonado, e a pedra foi ocorrência rara, mais reservada à decoração de fachadas e monumentos públicos.
[103] Por regra a estatuária era pintada com cores vivas e não raro recebia douramentos, sendo decorada com ornamentos acessórios como coroas e resplendores em
prata e
ouro, que podiam ser cravejados de pedras preciosas. Também podia receber olhos de vidro, dentes de
marfim e vestidos de tecido. As grandes
estátuas de roca, principalmente os tipos do
Senhor dos Passos e da
Mater Dolorosa, que muito se levavam em procissões, podiam ter até cabelos reais, a fim de enfatizar seu aspecto ilusionístico, e membros articulados, para possibilitar seu uso em representações teatrais sacras. Para a pintura a imagem em material bruto recebia uma camada de um preparo à base de
argila e
cola, conhecido como "bolo armênio", que preenchia os poros da madeira ou do barro e criava uma superfícia lisa para o trabalho posterior. Se as vestes da figura fossem ter douramento, eram aplicadas sobre a camada do bolo armênio finíssimas folhas de ouro, que podiam ser polidas para realçar o brilho, ou não, criando um dourado fosco. O prateamento era mais raro, e mais custoso, pois não havia minas de prata no Brasil e o material era obtido da fundição de moedas
peruanas. Sobre o ouro ou prata era aplicada a tinta,
óleo ou
têmpera oleosa, e para que o metal precioso subjacente aparecesse a tinta era removida nas partes necessárias com estiletes ou com um ponteador, o que possibilitava o desenho de intrincados padrões florais ou abstratos, imitando brocados e bordados de tecidos verdadeiros, dando à imagem um aspecto suntuoso, como era o gosto barroco. A esta decoração particular se deu o nome de "estofamento". A pintura do rosto, mãos, pés ou outras partes visíveis do corpo se chamava "encarnação", e como o nome sugere, almejava imitar o efeito da carne humana. Nos exemplares em marfim, mais raros, o material podia ser deixado aparente.
[104][105] A estatuária em posse privada muitas vezes era entronizada em capelinhas ou oratórios, que à medida que subiam as posses de seus proprietários podiam chegar a ser móveis luxuosos e muito ornamentados.
[106][107] Quando uma imagem se deteriorava podia ser descartada, lançando-a ao mar, a um rio, enterrando-a numa igreja ou depositando-a em algum
oratório de beira de estrada. Em festas solenes, ou como pagamento de alguma promessa, estatuária mais antiga podia ser reformada, talhando-se novos detalhes e realizando uma repintura. Ou podia ganhar vestidos bordados com seda, ouro e pedrarias, e receber jóias como coroas, resplendores e insígnias.
[100]
Um outro tipo de estatuária que se tornou muito popular foi o grupo do
presépio, um conjunto de figuras que reconta o nascimento de
Jesus e a visita dos
Reis Magos, montado em casas e igrejas na época do
Natal. A tradição foi inaugurada, ao que parece, pelo padre
José de Anchieta, que, ajudado por índios, modelava pequenas figuras em barro para ensinar-lhes a doutrina cristã. Alguns presépios brasileiros chegaram a possuir dezenas de peças, com muitas cenas paralelas e um
cenário miniaturizado para contextualizá-las.
[99][108] Em meados já do
século XIX floresceu em São Paulo uma escola de estatuária popular em barro que conheceu enorme demanda, produzindo as chamadas "paulistinhas", imagens muito singelas para o culto doméstico, mas que seguiam os moldes da tradição barroca. Dois de seus artesãos mais conhecidos foram
Benedito Amaro de Oliveira e
Dino Pituba.
[109]
-
Cristo ressurrecto, escola baiana, século XVIII. Igreja de São Francisco, Salvador
-
Nossa Senhora da Conceição, proveniente das reduções guaranis, século XVIII. Museu Júlio de Castilhos
-
Santo não identificado, século XVIII, Museu de Arte Sacra de Pernambuco
-
Nossa Senhora da Fé, sacristia da Catedral de Salvador
-
Santos na Basílica do Carmo, Recife
-
-
Paulistinha, século XIX, Museu de Arte Sacra de São Paulo
-
Talha dourada e outras modalidades escultóricas
A
talha dourada, uma modalidade de escultura essencialmente decorativa, deve ser abordada em mais detalhe em vista da sua grande riqueza no Brasil e da sua extraordinária importância decorativa ao longo de todo o desenvolvimento do Barroco, muitas vezes adquirindo proporções monumentais e modificando a percepção dos espaços arquitetônicos internos. Como os volumes estruturais das igrejas permaneceram sempre bastante simples e estáticos, atestando a longevidade e vigor da tradição da arquitetura chã, foi na decoração dos interiores, nos retábulos e altares, onde a talha domina, que o Barroco brasileiro pôde se expressar com sua força total e ser mais "tipicamente Baroco": suntuoso, extravagante, dinâmico e dramático. Foi no nordeste, primeiro em Salvador e em Recife, que deu seus primeiros frutos importantes. Partindo do ecletismo e preciosismo dos retábulos maneiristas da tradição portuguesa, eles mesmos já de enorme requinte e complexidade, como provam os importantes retábulos da
Catedral de Salvador e da
Catedral de São Luís do Maranhão, ambos descendência direta do
Maneirismo, a talha barroca se formou atualizando outros arcaísmos, como os arcos plenos concêntricos dispostos em profundidade, comuns nos portais das igrejas
românicas, abundantes em todo o território português, e as colunetas torcidas, já existentes no período
gótico. Os espaços entre esses elementos estruturais dos retábulos, bem como suas superfícies, foram entalhados com profusa ornamentação policroma e folheada a ouro, na forma de ramagens e guirlandas de flores, entremeadas, nos exemplos mais ricos, de anjos, brasões, insígnias, pássaros, atlantes e cariátides, com grande homogeneidade estilística.
[49][53][110]
Essa moldura, que tinha um caráter cenográfico, criava um nicho, preenchido com um pedestal para a estátua de um santo. A base dos retábulos era uma caixa ou mesa também decorada, que podia ser substituída por colunas de sustentação. Os retábulos principais nas capelas-mor podiam ser de grande imponência. A essa conformação específica se deu o nome de "
estilo nacional português", que se tornou o modelo dominante para decoração de interiores de meados do
século XVII e até ao início do
século XVIII. Naturalmente, houve várias interpretações do modelo, e as diferentes ordens religiosas, em particular, adotaram variações próprias que se tornaram típicas; jesuítas tendiam a ser mais sóbrios, já franciscanos preferiam um luxo faustoso. Nos tetos, o estilo nacional se cristalizou na fórmula dos "caixotões" ou "cofres", um trabalho de talha com áreas vazadas, onde se inseriam pinturas. Ilustrativas desta etapa são a
Capela Dourada em Recife, uma das primeiras neste estilo, e a
Igreja de São Francisco de Salvador, ilustrada na abertura deste artigo, uma das mais ricas do Brasil; sua luxuriante talha dourada cobre inteiramente todas as superfícies internas, com impactante efeito de conjunto.
[49][53][110]
Em seguida se observa penetrar uma nova tendência, chamada de
Barroco joanino, caracterizada pela explosão da talha, assumindo relevos de grande profundidade e projetando-se do plano da parede, com caráter estatuário e arquitetônico, apresentando cariátides, anjos e guirlandas, coroamentos com
sanefas, falsos cortinados, dosséis,
cúpulas vazadas ou bulbosas, multiplicando os motivos decorativos em relevo a ponto de obscurecer os elementos estruturais ou perverter sua lógica primitiva, dissolvendo-os na ornamentação. Também ocorre a introdução do branco na pintura dos fundos, dando maior vivacidade e contraste à policromia da madeira. Um excelente exemplo do estilo joanino está na
Igreja dos terceiros de São Francisco, no Rio, ilustrada ao lado. Na segunda metade do
século XVIII passou a predominar a influência francesa, gerando uma derivação rococó, mais leve e elegante, mais aberta e rarefeita, cujo maior florescimento ocorreu em Minas Gerais, se caracterizando pelos retábulos com coroamento de grande composição escultórica e com elementos ornamentais na forma de conchas, laços, grinaldas e flores, com fundos brancos e douramentos nas partes em relevo.
[49][110] Também no nordeste o Rococó decorou ricamente muitas igrejas, como a Matriz de Santo Antônio em Recife, e no Rio são notáveis a
Igreja dos Terceiros do Carmo,
Santa Cruz dos Militares e a de Santa Rita, entre outras. Em grande número de casos em todo o Brasil uma talha rococó substituiu a talha barroca mais antiga, e ao longo dos séculos seguintes se verificaram frequentes renovações e reformas nas decorações internas, de modo que uma significativa parte do aspecto primitivo das igrejas barrocas brasileiras já foi desfigurado.
[110][111]
Merece nota, finalmente, a extensa produção de outras formas de escultura ornamental, em
mobiliário entalhado e nas portadas e frontões arquiteturais em pedra, que chegaram em muitos casos a altos níveis de refinamento e complexidade. Também sobrevive um rico acervo de objetos litúrgicos de caráter escultórico produzidos em metal, em geral a prata, tais como tocheiros, lampadários, turíbulos, navetas, tabernáculos, cruzes processionais e ostensórios.
[40][107]
-
Aspecto do interior da Capela Dourada, Recife, no estilo nacional português
-
Altar-mor da Igreja de São Francisco em São João del-Rei, no típico rococó mineiro
-
-
Credência de altar, séc. XVIII, com vários objetos litúrgicos em prata. Museu de Arte Sacra de São Paulo.
+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.