Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Os Lusíadas é uma obra
poética do
escritor Luís Vaz de Camões, considerada a
epopeia portuguesa por excelência. Provavelmente concluída em
1556, foi publicada pela primeira vez em
1572 no
período literário do classicismo, três anos após o regresso do autor do
Oriente.
A obra é composta de dez
cantos, 1115
estrofes que são oitavas
decassílabas, sujeitas ao esquema
rímico fixo AB AB AB CC – oitava rima camoniana. A acção central é a
descoberta do caminho marítimo para a Índia por
Vasco da Gama, à volta da qual se vão descrevendo outros episódios da
história de Portugal, glorificando o
povo português.
Capa da primeira edição de
Os Lusíadas, de
1572
Estrutura
| “As armas e os barões assinalados A
Que, da ocidental praia lusitana, B
Por mares nunca de antes navegados A
Passaram ainda além da Taprobana, B
Em perigos e guerras esforçados, A
Mais do que prometia a força humana, B
E entre gente remota edificaram C
Novo reino, que tanto sublimaram.C” |
- — Os Lusíadas, Canto I, estrofe 1
|
A
estrutura externa refere-se à análise formal do poema: número de estrofes, número de versos por estrofe, número de sílabas métricas, tipos de rimas, ritmo, figuras de estilo, etc. Assim:
- Os Lusíadas é constituído por dez partes, chamadas de cantos na lírica;
- cada canto possui um número variável de estrofes (em média, 110);
- as estâncias são oitavas, tendo portanto oito versos; a rima é cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos (AB AB AB CC, ver na citação ao lado);
Sendo
Os Lusíadas um texto
renascentista, não poderia deixar de seguir a estética grega que dava particular importância ao
número de ouro. Assim, o clímax da narrativa, a chegada à Índia, foi colocada no ponto que divide a obra na proporção áurea (início do
Canto VII).
A
estrutura interna relaciona-se com o conteúdo do texto. Esta obra mostra ser uma
epopeia clássica ao dividir-se em quatro partes:
Por fim, há um epílogo a concluir a obra (estrofes 145 a 156 do
Canto X).
Os
planos temáticos da obra são:
Ao longo da narração deparam-se-nos vários tipos de episódios:
bélicos,
mitológicos,
históricos,
simbólicos,
líricos e
naturalistas.
Parecer do Santo Ofício
O
poema épico mais genuíno é o canto da construção duma nação com a ajuda de
Deus ou dos
deuses.
Os Lusíadas, como já a
Eneida, é uma epopeia moderna, em que o maravilhoso não passa dum artifício necessário, mas só literário. A
fé única no Deus
cristão é defendida por toda a obra.
Não se pode pensar em
heresia porque não fazia sentido, em tempos de
Contra-Reforma, acreditar nos deuses do panteão greco-romano, e a prova é a não
censura dos
inquisidores aos «
Deoses dos Gentios». No episódio da
Máquina do Mundo (estrofe 82 do
Canto X), é o próprio
personagem da deusa
Tétis que afirma: «
eu, Saturno e Jano, Júpiter, Juno, fomos fabulosos, Fingidos de mortal e cego engano. Só pera fazer versos deleitosos Servimos».
Apesar de terem cortado excertos da obra nas suas primeiras edições,
[1] o
Parecer do censor do Santo Ofício na edição de 1572 declara que percebeu que este recurso «
não pretende mais que ornar o estilo Poético». Por isso, continua, «
não tivémos por inconveniente ir esta fábula dos Deoses na obra», mas não resiste a acrescentar «
ficando sempre salva a verdade de nossa sancta fé, que todos os Deoses dos Gentios são Demónios».
Todavia, a presença destes deuses ocupa um lugar de muito relevo no poema. São as suas intrigas que ligam os episódios dispersos da epopeia e as suas intervenções
deus ex machina que emprestam lógica a acontecimentos inesperados da viagem, relatados na narrativa.
Tema
O herói
Como o título indica, o herói desta epopeia é colectivo, os Lusíadas, ou os filhos de
Luso, os portugueses. Nas estrofes iniciais do discurso de
Júpiter no
concílio dos deuses olímpicos, que abre a parte narrativa, surge a orientação laudatória do autor.
| “Eternos moradores do luzente
Estelífero pólo, e claro assento,
Se do grande valor da forte gente
De Luso não perdeis o pensamento,
Deveis de ter sabido claramente,
Como é dos fados grandes certo intento,
Que por ela se esqueçam os humanos
De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.” |
- — Início do discurso de Júpiter no concílio dos deuses. Canto I, estrofe 24.
|
O rei dos deuses afirma que desde
Viriato e
Sertório, o
destino (fado) dos valentes
portugueses (forte gente de Luso) é realizar feitos tão gloriosos que façam esquecer os dos
impérios anteriores (
Assírios,
Persas,
Gregos e
Romanos).
O desenrolar da
sua história atesta-o, pois além de ser marcada pelas sucessivas e vitoriosas lutas contra
mouros e
castelhanos, mostra como um país tão pequeno descobre novos mundos e impõe a sua lei no concerto das nações.
No final do poema surge o episódio da
Ilha dos Amores, recompensa ficcional da gloriosa caminhada portuguesa através dos tempos. E é confirmado o receio de
Baco de as suas façanhas de conquista serem ultrapassadas pelas dos portugueses.
Camões dedicou sua
obra-prima ao
rei D. Sebastião de Portugal. Os feitos inéditos dos
descobrimentos portugueses e a chegada ao «
novo reino que tanto sublimaram» no
Oriente, foram sem dúvida os estímulos determinantes para a tarefa, desde há muito ambicionada, de redigir o épico português.
Havia um ambiente de orgulho e ousadia no povo português.
Navegadores e
capitães eram heróis recentes da pequena nação, homens capazes de extraordinárias façanhas, como o «
Castro forte» (o
vice-rei D.
João de Castro), falecido poucos anos antes de o poeta aportar na
Índia.
E principalmente
Vasco da Gama, a quem se devia o
descobrimento da rota para o oriente numa viagem difícil e com poucas probabilidades de êxito, e que vencera inúmeras batalhas contra reinos
muçulmanos em terras hostis aos
cristãos. Esta viagem épica foi por isso usada como história central da obra, à volta da qual vão sendo contados episódios da
história de Portugal.
A cruzada contra o mouro
O poema pode ser lido numa perspectiva que já era antiga, mas a que factos recentes haviam dado acrescida actualidade, a da
cruzada contra o mouro. As lutas no Oriente seriam a continuação das que já se haviam travado em
Portugal e no
Norte de África, dominando ou abatendo o poder do
Islão.
O próprio "movimento" dos descobrimentos surgiu numa lógica de combate ao poderoso
Império Otomano que ameaçava a
Europa cristã, incapaz de vencer o inimigo em guerra aberta. Os objectivos passavam por fazer uma concorrência comercial aos
muçulmanos, ao mesmo tempo ganhando proveitos e debilitando a economia dos rivais. Mas também se ambicionava encontrar aliados dos europeus nas novas terras, que poderiam ser eles mesmos cristãos, ou passíveis de
conversão.
[2]
Em
1571, a aparente invencibilidade do
sultanato turco tinha sido desmentida na
batalha de Lepanto. Sentia-se que os otomanos afinal não detinham a supremacia no
Mediterrâneo. E o comandante das forças cristãs fôra D.
João de Áustria, filho
bastardo do
imperador Carlos V, o avô de
D. Sebastião. Foi neste contexto de exaltação que o poeta terá contribuído para incitar o jovem
rei português a partir em
conquista para a África, com os
desastrosos efeitos que daí se seguiram.
Narradores e os seus discursos
Cada um dos tipos de discurso neste poema evidencia particularidades estilísticas concretas. Dependendo do assunto que tratam, o estilo pode ser heróico e exaltado, empolgante, lamentoso e melancólico, humorístico, admirador.
Os Lusíadas é uma obra
narrativa, mas os seus narradores são quase sempre oradores que fazem
discursos grandiloquentes: o narrador principal,
Camões, que abre em grande estilo e retoma a palavra em várias ocasiões;
Vasco da Gama, reconhecido como «
facundo capitão» (eloquente);
Júpiter, que também toma a palavra em diversas ocasiões;
Paulo da Gama (
Canto VIII, estrofes 2 a 42); o
Velho do Restelo (
Canto IV, estrofes 95 a 104);
Tétis; a
Sirena que profetiza ao som de música (
Canto X, estrofes 10 a 74), etc.
| “E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Porque de vossas águas, Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipocrene.
Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.” |
- — Invocação às Tágides. Canto I, estrofes 4 e 5.
|
Na
Invocação, quando o poeta pede às
Tágides «
um som alto e sublimado, Um estilo grandíloco e corrente», por oposição ao estilo da
poesia lírica, de «
verso humilde», está certamente a pensar nesse tom empolgante da oratória. Um tom assemelhado à «
tuba canora e belicosa» (
trompeta de
guerra) e não à «
agreste avena ou frauta ruda» (
flauta do
pastor), que seja digno dos «
feitos da famosa Gente vossa» (célebre gente do
Tejo, os
portugueses).
De assinalar excelentes descrições, como as dos
palácios de
Neptuno e do
Samorim de
Calecute, a do
locus amoenus (lugar aprazível, ameno) da
Ilha dos Amores (
Canto IX), a do
jantar no palácio de
Tétis (
Canto X) e a do traje do
Gama (final do
Canto II), entre outras.
Por vezes, essas descrições são feitas ao modo de uma passagem de
slides: as coisas descritas estão ali e há alguém que as mostra. Por exemplo, o começo
geográfico do discurso de Vasco da Gama ao
rei de
Melinde (
Canto III, estrofes 6 a 20), certas
esculturas dos palácios de Neptuno e do Samorim, o discurso de
Paulo da Gama ao Catual (
Canto VIII, estrofes 26 a 44),
A Máquina do Mundo (
Canto X, estrofes 77 a 144).
Exemplos de descrições dinâmicas são a da «batalha» da
ilha de
Moçambique (
Canto I, estrofes 84 a 92), as das batalhas de
Ourique (
Canto III, estrofes 42 a 54) e
Aljubarrota (
Canto IV, estrofes 26 a 44), a da
tempestade (
Canto VI, estrofes 1 a 42). Camões é mestre nessas descrições, marcadas pelos
verbos de movimento, pela abundância de sensações visuais e acústicas e por expressivas
aliterações.
Há n’
Os Lusíadas vários momentos líricos. Os textos em que se concretizam são no geral narrativo-descritivos. É o caso da parte inicial do episódio da
Linda Inês (
Canto III, estrofes 120 a 135), da parte final do episódio do
Adamastor (
Canto V, estrofes 37 a 60), do encontro na
Ilha dos Amores (
Canto IX). Em todos esses casos o estilo é muito assemelhado à
écloga.
São muitas as ocasiões em que o poeta assume um tom de lamento: a última estrofe do
Canto I, parte do discurso do
Velho do Restelo (
Canto IV, estrofes 94 a 104), início e final do
Canto VII e partes da
Profecia da sereia, fazem lembrar outros lamentos da
lírica.
A fé e os apelos a Deus têm uma presença forte na obra. Já
Vergílio chamava ao seu herói «
pio Eneias». Por várias vezes, em momentos difíceis,
Vasco da Gama irrompe em
oração: em
Mombaça (
Canto II), na aparição do Adamastor, no meio do terror da tempestade, etc. As invocações do poeta às
Tágides, a
Calíope (
Canto III, estrofes 1 e 2 e
Canto X, estrofe 8), às
ninfas do
Tejo e do
Mondego (
Canto VII), em termos tipológicos, são também orações.
Descrição da narrativa
Canto I
Depois da
Proposição, da Invocação e da Dedicatória, a acção começa
in medias res com a frota de
Vasco da Gama já no
Oceano Índico, mas antes de chegar à Índia (estrofe 19).
O consílio dos deuses
Neste momento, é convocado o
Consílio dos deuses (estrofes 20 a 41) para decidir se os portugueses devem ou não conseguir alcançar o seu destino.
Júpiter afirma que sim, porque isso lhes está predestinado.
Baco discorda porque, se isto for permitido, as suas próprias conquistas no Oriente serão esquecidas, ultrapassadas por este povo. Mas
Vénus vê os portugueses como herdeiros dos seus amados
romanos e sabe que será celebrada por eles.
Camões era um homem de paixões, que também celebrava o
amor na sua
lírica, e talvez por isso tivesse escolhido a deusa romana desse sentimento para patrona do seu povo.
Segue-se um tumulto, com os restantes
olímpicos a tomar partido de Baco ou Vénus, até que o poderoso
Marte se impõe, assustando
Apolo num aparte (estrofe 37). O amante de Vénus, e admirador dos feitos guerreiros dos portugueses, lembra que não só já é merecido que consigam realizar a sua façanha, como Júpiter já tinha decidido conceder esse favor e não deveria voltar atrás na palavra. O rei dos deuses concorda e encerra o
concílio.
O discurso com que Júpiter começa a reunião é uma acabada peça de
oratória. Abre com o inevitável
exórdio (1ª estrofe) em que, depois de uma original saudação, expõe brevemente o tema a desenvolver. Segue-se, ao modo da
retórica antiga, a narração (o passado mostra que a intenção dos
fados é mesmo a que o orador apresentou). Vem depois a confirmação: com factos do presente corrobora o que já, a seu modo, a narração comprovara (4ª estrofe). E termina com duas estrofes de
peroração, onde se apela à benevolência dos deuses para com os filhos de
Luso - aliás, a decisão dos fados cumprir-se-á inexoravelmente. Contra o que seria de esperar, Júpiter conclui determinando e não abrindo o debate.
[3]
| “A viseira do elmo de diamante
Alevantando um pouco, mui seguro,
Por dar seu parecer, se pôs diante
De Júpiter, armado, forte e duro:
E dando uma pancada penetrante,
Com o conto do bastão no sólio puro,
O Céu tremeu, e Apolo, de torvado,
Um pouco a luz perdeu, como enfiado.” |
- — Descrição de Marte no concílio. Canto I, estrofe 37
|
A ilha de Moçambique e o piloto mouro
A acção volta então à frota lusa, que chega à ilha de
Moçambique. São acolhidos por
muçulmanos que, intimidados pelo poderio bélico das
naus, lhes prometem mantimentos e um
piloto que os leve à Índia. Mas as suas verdadeiras intenções são a destruição dos portugueses. A inspiração do soberano
mouro vem de Baco, que tomara a forma mortal de um dos seus conselheiros.
A primeira estratégia é atacar os
marinheiros que forem a terra abastecerem-se de
água. Mas estes, cuidadosos, vão armados e desbaratam as forças inimigas, prosseguindo depois com o bombardeamento da cidade. O regedor rende-se e oferece então um piloto que os conduza para terras inimigas, a segunda estratégia do deus do
vinho.
Por duas vezes o piloto indica bons portos de acolhimento: uma terra de
cristãos, que será uma referência ao reino de
Preste João, e outra em que cristãos e muçulmanos viveriam juntos.
Vasco da Gama confia no piloto. Mas Vénus, vendo que na realidade se trata de terras de muçulmanos capazes de vencer os portugueses, desvia a frota com ventos contrários. O primeiro porto é ultrapassado; o segundo é Mombaça, a pouca distância do qual a frota lança
âncora. E o canto termina com duas estrofes plenas de
suspense.
Canto II
Cilada em Mombaça
O
rei de
Mombaça envia um mensageiro com promessas de bom acolhimento e pede que a
armada entre no porto da cidade, mas com a intenção de armar uma emboscada.
Vasco da Gama envia primeiro dois
degredados à cidade para passarem a noite e avaliarem a situação. Enganados pelos mouros e por
Baco, estes aconselham a entrada em Mombaça. Mas Vénus interfere mais uma vez, e com a ajuda das
Nereidas impede a entrada dos
navios portugueses.
Vénus sai então em direcção aos céus (estrofe 33). Seduz
Júpiter com a sua beleza e queixa-se dos perigos que a expedição está a correr. O rei dos deuses reafirma que os fados já destinaram sucesso para os portugueses e envia
Mercúrio para avisar Vasco da Gama da existência de
Melinde, onde encontrará um rei justo e bondoso, que fornecerá tudo o que procura.
Chegada a Melinde
Depois de interrogarem prisioneiros feitos em Mombaça, é confirmada a boa notícia do reino de Melinde. A frota dirige-se para lá e é bem recebida. Apesar de naturalmente romanceado, este episódio é um
documentário da
descoberta de novas terras e novos povos. De uma grande riqueza descritiva, por ele se consegue "ver" Melinde e os melindanos, como se apresentou a esquadra portuguesa, a recepção que teve, como foram as reacções de uns e de outros, e como foi feito o contacto
diplomático.
O rei melindano oferece
mantimentos,
munições e
piloto para a
Índia. Subindo a bordo da
nau capitânia, pede a Vasco da Gama que lhe conte sobre a
sua viagem. Mas que primeiro descreva o
reino de Portugal: a sua
geografia, a sua
história e as
suas gentes.
Canto III
Após uma invocação do
poeta a
Calíope,
Vasco da Gama começa por explicar a
geografia da
Europa e a situação de
Portugal no
continente (estrofes 6 a 20), «
quase cume da cabeça De Europa toda».
| “Golpes se dão medonhos e forçosos;
Por toda a parte andava acesa a guerra:
Mas o de Luso arnês, couraça e malha
Rompe, corta, desfaz, abola e talha.” |
- — Batalha de Ourique. Canto III, estrofe 51
|
Inicia então a
narrativa da
história de Portugal. De
Luso a
Viriato, passa para o rei D.
Afonso VI de Leão e Castela,
D. Teresa e o
conde D. Henrique. Segue-se a luta de
D. Afonso Henriques pela
formação da nacionalidade e a enumeração dos feitos guerreiros do primeiro
rei de Portugal contra
castelhanos,
leoneses e
mouros.
Egas Moniz
Neste episódio (estrofes 35 a 41) conta-se a história do aio de D. Afonso Henriques. Tendo dado a sua palavra ao
rei de Castela que o soberano português lhe prestaria
vassalagem, conseguiu o levantamento do
cerco castelhano a
Guimarães. Mas como D. Afonso Henriques se recusou a acatar estas condições,
Egas Moniz foi entregar-se ao rei castelhano, com a mulher e os filhos, comovendo a todos pela sua lealdade e honra.
Batalha de Ourique
Em seguida (estrofes 42 a 54) é narrada a
lenda da
batalha de Ourique, em que o fundador de Portugal derrota cinco reis mouros depois de ter uma visão de
Cristo. Por este motivo pinta os cinco
escudos e os trinta dinheiros na
bandeira de Portugal.
É mais um exemplo de uma vívida
batalha épica, em que os portugueses enfrentam um inimigo cem vezes superior em número. O corajoso exército «
Rompe, corta, desfaz, abola e talha» as forças inimigas, pondo os restantes em fuga apavorada. No final, tantos são mortos em batalha que o
sangue destes corre em rios e pinta o campo verde e branco de
carmesim.
A descrição das conquistas do rei Afonso continua (estrofes 55 a 68) em ritmo acelerado:
Leiria,
Arronches,
Santarém,
Mafra,
Sintra,
Lisboa,
Óbidos,
Alenquer,
Torres Vedras,
Elvas,
Moura,
Serpa,
Alcácer do Sal,
Évora,
Beja,
Palmela,
Sesimbra,
Badajoz.
Dinastia de Borgonha
Nesta última cidade D. Afonso acaba por ser cercado pelo
rei de Leão, e Camões introduz o seu herdeiro
D. Sancho I na história, que se torna no assunto do canto bélico juntamente com o pai, e depois da morte deste (estrofes 83 e 84) como rei.
Seguem-se os restantes reis da
dinastia de Borgonha, destacando a coragem e o bom reinado de cada um (ou mau reinado, no caso de
D. Sancho II). É no canto do reinado de
D. Afonso IV que vão surgir mais alguns episódios célebres d'
Os Lusíadas: a
Formosíssima Maria, a
Batalha do Salado, e
Inês de Castro. Esta sequência torna a narrativa num carrocel de emoções. O primeiro é um episódio lírico, em que a filha de D. Afonso IV roga a ajuda deste para o seu
reino de Castela contra os
mouros. Comovido, o rei parte em ajuda do
genro, na batalha do Salado, mais um exemplo de luta épica.
Inês de Castro
| “Traziam-na os horríficos algozes
Ante o Rei, já movido a piedade:
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela com tristes o piedosas vozes,
Saídas só da mágoa, e saudade
Do seu Príncipe, e filhos que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava” |
- — Sobre Inês de Castro. Canto III, estrofe 124
|
O turbilhão de emoções continua com este episódio lírico-trágico (estrofes 118 a 135), talvez o mais reconhecido d'
Os Lusíadas. Convém que se não perca de vista a sua integração no poema, via alocução de
Vasco da Gama ao rei de
Melinde. Costuma-se classificá-lo como lírico, distinguindo-o assim, sobretudo, dos mais comuns episódios bélicos.
D. Inês e
D. Pedro são os amantes trágicos por excelência. O seu
amor é ilícito, proibido pelos poderes. O poeta que tinha escrito
sonetos tão sombrios, de sofrimento amoroso, chama repetidamente este de «
puro amor», e censura o rei, de quem tanto elogiara os feitos guerreiros, por esta sombra no seu reinado.
D. Afonso IV pretende casar o filho que, apaixonado por Inês, recusa. A solução é eliminá-la. Trazida à presença do rei, esta implora pela sua
vida, só para poder cuidar dos seus filhos. Comove o velho soberano, mas os conselheiros e o povo exigem a
morte. E assim a frágil e bela apaixonada é
assassinada «
só por ter sujeito O coração a quem soube vencê-la» (por amar quem soube conquistar o seu coração).
Uma rápida análise do episódio permite encontrar aí presentes, com maior ou menor clareza, elementos
trágicos como o
destino, que conduz a acção para o final trágico; a
peripécia; até algo próximo do papel do
coro (
apóstrofes). A
nobreza moral e
social dos personagens é também salientada, de modo a criar no leitor sentimentos de
terror e de
piedade perante a desgraça que se abate sobre a protagonista (
catástrofe).
Quando Inês teme mais a
orfandade dos filhos que a própria perda da vida, quando ela suplica a comutação da
pena capital por um
exílio na
Sibéria (Cítia) ou na
Líbia, entre «
toda a feridade», só para poder criar os filhos do seu amor, quando é comparada com «
a linda moça Policena, consolação extrema da mãe velha», quando o leitor escuta toda a estrofe 134, e mesmo a 135, estão-se a dedilhar os acordes da piedade. Já os versos iniciais da estrofe 124, a apóstrofe com que termina a 130 (e antes a da segunda metade da 123) e a estrofe 133 estão ao serviço da sugestão do terror trágico.
D. Fernando
Depois da vingança de D. Pedro,
o cruel, é apresentado o brando
D. Fernando, responsabilizado pela quase perda do reino durante as
guerras fernandinas e pela
crise que o país enfrentaria após a sua morte.
Interpretando estas crises como consequência ou castigo do amor do rei por
Leonor Teles, o romântico poeta acrescenta «
Mas quem pode livrar-se por ventura Dos laços que Amor arma brandamente». Por isso, continua, o monarca tem desculpa (estrofe 143) para quem já amou, quem nunca amou será mais ríspido nas críticas.
Canto IV
Vasco da Gama prossegue a narrativa da história de Portugal. Fala agora da
2.ª Dinastia, desde a
Revolução de 1383-85, até ao momento, do reinado de
D. Manuel I, em que a sua armada parte para a
Índia.
Batalha de Aljubarrota
A narrativa da revolução de 1383-85 é dividida em duas partes: o levantamento do
povo para apoiar o pretendente português (estrofes 1 a 23), e a
batalha de Aljubarrota (estrofes 24 a 44). Dois heróis partilham as glórias destes episódios: o régio
D. João e o guerreiro D.
Nuno Álvares Pereira.
Camões elogia os
patriotas que defenderam a
independência, quer sejam humildes ou poderosos, sem medo de morrer pela causa portuguesa. Critica amarguradamente quem se juntou ao partido castelhano, particularmente os irmãos de Nun'Álvares, que tem de lidar com o conflito acrescido de lutar contra os seus familiares.
Os feitos do
Mestre de Avis também são cantados de forma particularmente épica, fazendo lembrar
Ájax na
Ilíada. A sua coragem salva a batalha. Socorre a Ala dos Namorados que se encontrava na vanguarda e, na estrofe 38, "
sopesando a lança quatro vezes, Com força (a)tira; e, deste único tiro, Muitos lançaram o último suspiro".
| “Eis ali seus irmãos contra ele vão,
(Caso feio e cruel!) mas não se espanta,
Que menos é querer matar o irmão,
Quem contra o Rei e a Pátria se alevanta:” |
- — Sobre D. Nuno Álvares Pereira na Batalha de Aljubarrota, Canto IV, estrofe 32
|
Mas no fim de mais uma batalha sanguinária, a par com o canto da glória, o poeta deixa a opinião de quem maldiz a
guerra, que por cobiça dos poderosos lança tanta gente à morte, deixando tantas mães e esposas sem maridos e filhos.
Partida das Naus
Com a paz, as atenções do reino viram-se para
Marrocos e para o
mar. Entra a
Ínclita geração, representada por
D. Duarte e
D. Fernando, e depois
D. Afonso V.
Depois da viagem
Pêro da Covilhã e
Afonso de Paiva, surge a narração dos preparativos da
viagem à Índia, desejo que D. João II não conseguiu concretizar antes de morrer e que iria ser realizado por
D. Manuel, a quem os rios
Indo e
Ganges apareceram em sonhos, profetizando as futuras glórias do
Oriente.
O Velho do Restelo
O canto termina com a partida da armada. Quando estão a despedir-se das famílias na praia de
Belém, os
navegadores são surpreendidos pelas palavras de um velho que estava entre a multidão. É o episódio do
Velho do Restelo (estrofes 94 a 104).
Este personagem é a representação da contestação da época contra as aventuras dos
descobrimentos. Havia quem pensasse que era puro orgulho e simplesmente
suicídio tentar estes projectos de navegar para partes longínquas do mundo; uma perda de recursos e homens, que fariam falta na luta contra os inimigos
mouros ou para a defesa do reino contra uma eventual invasão castelhana.
[4]
O episódio entrou no imaginário português. A expressão passou a significar o
conservadorismo, o mau agoiro, a má-vontade e a falta de espírito de
aventura, frente a projectos originais que exigem alguma ousadia e gastos de recursos.
Canto V
Vasco da Gama conta agora como foi a viagem da armada, de
Lisboa a
Melinde. É a narrativa da grande aventura marítima, em que os
marinheiros observaram maravilhados ou inquietos a costa de
África, o
Cruzeiro do Sul nos céus desconhecidos do novo
hemisfério, o
Fogo de Santelmo e a
Tromba Marítima, e enfrentaram perigos e obstáculos enormes como a hostilidade dos nativos, no episódio de Fernão Veloso, a fúria de um monstro, no episódio do
Gigante Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo
escorbuto.
Fernão Veloso
| “Disse então a Veloso um companheiro
(Começando-se todos a sorrir)
-"Ó lá, Veloso amigo, aquele outeiro
É melhor de descer que de subir."
- "Sim, é, (responde o ousado aventureiro)
Mas quando eu para cá vi tantos vir
Daqueles cães, depressa um pouco vim,
Por me lembrar que estáveis cá sem mim” |
- — Fernão Veloso, Canto V, estrofe 35
|
Aportados na costa africana, os portugueses fizeram contacto com os povos nativos. Este aventureiro (estrofes 30 a 36), convidado para conhecer a sua
aldeia, acompanhou despreocupadamente os anfitriões. Mas, percebendo as intenções
assassinas destes, «
Mais apressado do que fora, vinha», perseguido por um grupo.
É um episódio também
humorístico, pela bazófia do português. Depois de uma escaramuça para o salvarem, os companheiros fazem troça da sua fuga apressada, depois de, com tanta confiança, ter entrado pela terra adentro na companhia dos
nativos. A isto ele responde que, vendo como tantos inimigos voltavam para atacar a
praia, vinha a correr só para ajudar a frota, «
Por me lembrar que estáveis cá sem mim».
O Adamastor
Podem-se considerar três partes no episódio do
Adamastor: a primeira é uma
teofania (estrofes 37 a 40). Chegados ao
Cabo das Tormentas no meio da uma
tempestade, os marinheiros avistam o
titã, tão terrível que «
Arrepiam-se as carnes e o cabelo A mi e a todos só de ouvi-lo e vê-lo». Aqui está o puro pavor, a ameaça iminente da aniquilação, fisicamente sentida - as carnes engelham-se, os cabelos crispam-se.
O espectáculo é envolvente, grandioso, terrificante. Este
semideus maléfico, encarnação dos perigos da arriscada travessia, precede-se de uma
nuvem negra, que surge rasante sobre as cabeças dos navegantes. Mas mais surpreendente ainda é a orquestração que o
mar faz com este elemento aéreo «
Bramindo, o mar de longe brada, Como se desse em vão nalgum rochedo». O lado maravilhoso desta aparição também é acentuado, fazendo contrastar todo o espectáculo de disformidade e gigantismo com o cenário precedente, onde são manifestos os encantos de uma noite dos "mares do Sul", «
prosperamente os ventos assoprando».
Então começa a segunda parte do episódio (estrofes 41 a 48), que em termos cronológico-narrativos é uma
prolepse. O Adamastor fala e, como um
oráculo, vaticina o
destino cruel que espera alguns dos navegadores que atravessarão os seus domínios. É uma forma inteligente de o poeta dos meados do
século falar de acontecimentos do
passado, mas que seriam
futuros para o navegador do início do século que faz a narração.
Finalmente surge uma
écloga marinha (estrofes 49 a 59), que obedece a um desenvolvimento comum a muitas composições
líricas de
Camões: o enamoramento (de Adamastor por
Tétis, não correspondido), a separação forçada (pela
titanomaquia), a traição, o lamento pelo sonho frustrado, do qual o sofredor é constante e eternamente recordado: «
Enfim, minha grandíssima estatura, Neste remoto cabo converteram Os Deuses, e por mais dobradas mágoas, Me anda Tétis cercando destas águas».
[5]
Passado mais este obstáculo, os navegadores agora enfrentam a doença, particularmente o
escorbuto, e um clima a que não estão habituados. Apesar de um acolhimento cordial dos povos da
África do Sul, o desânimo também aumenta por não haver quem dê notícias sobre a
Índia. Até que, depois de
Moçambique e
Mombaça, a
narrativa termina com a alegria da chegada a
Melinde.
O canto encerra com a admiração dos melindanos por toda a
epopeia portuguesa, e a censura do poeta pela
iliteracia dos seus
conterrâneos. Pela boca de Vasco da Gama, que lhe empresta legitimidade, conta como os poderosos do mundo, especialmente
gregos e
romanos, eram amantes das letras. E lamenta que os seus contemporâneos desprezem a
língua, a
poesia e o cantar e louvar de
heróis e povos.
Canto VI
Finda a narrativa de Vasco da Gama, e os festejos dos melindanos, a armada sai, guiada por um piloto que deverá guiá-la até
Calecute.
Baco, vendo que os
portugueses estão prestes a chegar à
Índia, resolve pedir ajuda a
Neptuno, que convoca um
concílio dos
deuses marinhos. A decisão destes é oposta à dos
olímpicos, e assim ordenam a
Éolo que solte os
ventos para fazer afundar a frota.
Os doze de Inglaterra
Entretanto, os
marinheiros matam despreocupadamente o tempo ouvindo Fernão Veloso contar o episódio
lendário e
cavaleiresco d'
Os Doze de Inglaterra (estrofes 43 a 69):
Nos tempos de
D. João I, doze cavaleiros ingleses teriam ofendido a honra de doze
damas inglesas, e lançado o desafio a quem quisesse defendê-las em um torneio. Uma vez que estes eram homens poderosos da
Inglaterra, não havia compatriotas que se atrevessem a enfrentá-los. Assim, o
duque de Lencastre João de Gante lançou um apelo ao seu genro
rei de Portugal.
Em resposta, armaram-se imediatamente doze cavaleiros portugueses para partir do
Porto para aquele país. Mas só onze embarcaram. O 12.º era
Álvaro Gonçalves Coutinho,
o Magriço, que resolveu ir primeiro por terra até à
Flandres. Depois de algumas aventuras, chegou ao local da justa no preciso momento em que esta ia começar e, com a sua ajuda, todos os cavaleiros ingleses foram derrotados, salvando-se a honra das damas ofendidas.
A tempestade
| “O céu fere com gritos nisto a gente,
Com súbito temor e desacordo,
Que, no romper da vela, a nau pendente
Toma grã suma d'água pelo bordo:
"Alija, disse o mestre rijamente,
Alija tudo ao mar; não falte acordo.
Vão outros dar à bomba, não cessando;
A bomba, que nos imos alagando!"” |
- — A tempestade, Canto VI, estrofe 72
|
A história de Veloso é interrompida pela chegada da
tempestade provocada pelos deuses marinhos (estrofes 70 a 84). É uma descrição dramática de quem viveu situações semelhantes e conhece a
gíria náutica: os
ventos, a ondulação, a quebra de
mastros, as
naus alagadas, os gritos dos marinheiros,
relâmpagos e trovões.
Vendo as suas embarcações quase perdidas, Vasco da Gama dirige uma prece a
Deus. Mais uma vez, é
Vénus que ajuda os portugueses, mandando as
ninfas seduzir os ventos para os acalmar. Dissipada a tempestade, a armada avista Calecute e o capitão agradece a mercê divina.
O canto termina com considerações do poeta sobre o valor da
fama e da glória conseguidas através dos grandes feitos, e uma crítica a quem procura estas e a fortuna por intriga e favor dos poderosos.
Canto VII
Este canto inicia com a comparação dos feitos dos portugueses contra os
muçulmanos, expandindo o
cristianismo e fazendo a
guerra santa, com os conflitos internos da
Europa (estrofes 2 a 15). Segundo o ponto de vista de Camões, os
reis e os
nobres das outras nações europeias perdem-se em guerras intestinas, inglórias e injustas. Os
alemães, franceses e
ingleses renegam a verdadeira
fé e enfraquecem o poder cristão. Os italianos são corruptos, lutando uns contra os outros com o único objectivo do ganho pessoal. Pelo contrário, só os portugueses, com as mais nobres intenções, lutam contra os
mouros e
turcos.
Assim que aporta em
Calecute, Vasco da Gama envia um mensageiro ao soberano indiano. No meio deste novo povo, com quem não consegue falar, o marinheiro encontra Monçaide, um mouro
hispânico falante de
castelhano, que o acolhe e lhe serve de
tradutor. Monçaide acompanha-o até à frota e explica aos portugueses um pouco da
geografia,
história,
política,
religiões e costumes da
Índia.
O capitão e Monçaide desembarcam e encontram-se com o Catual, um ministro que os acompanha até ao
Samorim (estrofes 43 a 65). A descrição do que os portugueses vêem é um exemplo da
sociologia da descoberta e da interpretação de uma cultura absolutamente nova. É proposto um
tratado comercial e, enquanto o soberano indiano pondera, a embaixada volta à
nau capitânia. Aqui encontra-se um painel representando a
história de Portugal.
Mas antes da explicação deste, sentindo-lhe faltar a inspiração,
Camões conta um pouco da sua
biografia e lança-se num lamento indignado pelo modo como a sua pátria o tem tratado, a quem só pretende cantar a glória portuguesa (estrofes 78 a 87).
Canto VIII
Painel da história de Portugal
A descrição da pintura (estrofes 1 a 42) começa com
Luso, o filho ou companheiro de
Baco, depois
Ulisses,
Viriato e
Sertório.
De seguida vêm o
Conde D. Henrique e
D. Afonso Henriques, juntamente com algumas personalidades que se evidenciaram durante a
primeira dinastia:
Egas Moniz, D.
Fuas Roupinho, o
prior D. Teotónio,
Mem Moniz,
D. Sancho I,
Geraldo Sem Pavor, Martins Lopes (que capturou Pedro Fernando de Castro, renegado
leonês aliado aos
mouros), o
bispo D.
Soeiro Viegas, D.
Paio Peres Correia.
Já durante a
revolução de 1383-85 e o reinado de
D. João I, estão presentes D.
Nuno Álvares Pereira, Pêro Rodrigues e
Gil Fernandes (vencedores de escaramuças com os
castelhanos), Rui Pereira (
batalha naval do
cerco de Lisboa) e Martim Vasques da Cunha (que com 17 homens defendeu-se de 400 castelhanos).
Depois
D. Pedro e
D. Henrique (da
Ínclita Geração), D.
Pedro de Meneses (capitão de
Ceuta) e D. Duarte de Meneses (capitão de
Alcácer-Ceguer). Entretanto anoitece e o Catual volta a terra.
| “Sabe que há muitos anos que os antigos
Reis nossos firmemente propuseram
De vencer os trabalhos e perigos,
Que sempre às grandes coisas se opuseram;
E, descobrindo os mares inimigos
Do quieto descanso, pretenderam
De saber que fim tinham, e onde estavam
As derradeiras praias que levavam.” |
- — Discurso de Vasco da Gama, Canto VIII, estrofe 70
|
Tratado com o Samorim
O
Samorim entretanto manda examinar os augúrios que, segundo o poeta, por serem
pagãos são facilmente enganados pela sua fé errada. O
Demónio engana-os dando a previsão de que os
portugueses virão a subjugar toda a
Índia. Isto é confirmado pelos conselheiros islâmicos do soberano, a quem durante a noite
Baco visitara durante os
sonhos, fazendo-se passar por
Maomé, acusando os ocidentais de
pirataria e incitando à destruição a frota.
No dia seguinte, o Samorim tem de decidir entre as vantagens económicas do tratado com os portugueses e as previsões catastróficas da noite. Chamando
Vasco da Gama, acusa-o de
apátrida e
pirata, incitando-o a confessar a verdade. O navegador responde com dignidade (estrofes 65 a 75), reafirmando as suas intenções, e sai da audiência com autorização para comercializar.
Mas o ministro indiano, influenciado pelos
muçulmanos do reino, faz o capitão de refém e tenta trazer a frota portuguesa para mais perto, para a poder assaltar. Quando esta estratégia falha, cobiçando o lucro e temendo o castigo do seu soberano por estar a desobedecer às suas ordens, aceita trocar Vasco da Gama por mercadorias das
naus.
Canto IX
O Catual ainda tenta demorar os portugueses, proibindo o
comércio com os
feitores das naus, para dar tempo que chegue uma armada muçulmana do
Mar Vermelho. Mas Monçaide, convertido agora ao
cristianismo, consegue informar o capitão português dos planos dos inimigos, vender a
mercadoria e obter
especiarias.
Ao mesmo tempo, Vasco da Gama aprisiona alguns importantes do reino de
Calecute e troca-os pelos feitores, entretanto aprisionados. Com mercadoria e alguns prisioneiros indianos, a frota tem
provas da
chegada à Índia e zarpa.
A Ilha dos Amores
Vendo agora a frota em segurança no seu regresso a
Portugal, Vénus pede a ajuda do seu filho
Cupido para juntar os
amores e ferir as
nereidas com as
flechas do
amor. Com as
ninfas e
Tétis sob esta influência, coloca uma
ilha mística na
rota dos portugueses, e a ela traz os amantes.
[6]
| “Ó que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã, e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.” |
- — A Ilha dos Amores. Canto IX, estrofe 83
|
Podem ser consideradas três descrições no episódio da
Ilha dos Amores:
- O locus amoenus: o cenário onde decorre o encontro amoroso (estrofes 52 a 67 e mais algumas até ao final do canto) é típico do locus amoenus, com os seus chãos maciamente relvados, águas límpidas e cantantes, arvoredos frondosos e até um lago. O poeta fala ainda da simpática fauna que aí se cria e dos frutos que se produzem sem cultivo. É um cenário paradisíaco, idílico, de écloga.
- A alegoria: com um arrojo inesperado para um maneirista, Camões descreve o encontro dos nautas com as ninfas que os esperavam, industriadas por Vénus. O amor que experimentam é de paixão: imediato, arrebatado e carnal. E fica dado o recado aos que condenam a expressão mais física do amor: «Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.»
- A recompensa dos portugueses tem um sentido alegórico: «Que as Ninfas do Oceano, tão fermosas, Tethys e a Ilha angélica pintada, Outra cousa não é que as deleitosas Honras que a vida fazem sublimada» (estrofe 89). A terminar o canto, dirigindo-se ao leitor, reforça a intenção alegórica e incita aos feitos de valor: «Impossibilidades não façais, Que quem quis sempre pôde: e numerados Sereis entre os heróis esclarecidos E nesta Ilha de Vénus recebidos».
- Leonardo: Camões, o indefectível cantor do amor, não quis, e se calhar não pôde, evitar que isso se reflectisse n'Os Lusíadas. Se os amores mal sucedidos do Adamastor deixam entrever o caso real do poeta, Leonardo (estrofes 75 a 82) aqui representa a consumação do seu sonho. Repare-se que as queixas deste navegante recordam as do poeta na lírica e como é um lamento delicado e belo.
Em um pormenor curioso, houve a intenção de separar e dignificar
Vasco da Gama na carnalidade do episódio. É acompanhado por
Tétis até a um magnífico
palácio de
cristal e
ouro, enquanto os restantes marinheiros e as suas companheiras ficam nas
praias e nos
bosques.
Canto X
A profecia da Sirena
Depois de saciados os primeiros apetites, os marinheiros chegam ao palácio de Tétis, onde lhes é servido um farto
banquete. Neste, a
Sirena profetiza os feitos dos portugueses no
Oriente (estrofes 10 a 73). Mais uma vez Camões usa o artifício da
profecia para contar o que se passou entre
1498, o ano da
descoberta do caminho marítimo para a Índia, e o tempo em que o poema foi escrito.
São então cantados os heróis e
governadores da Índia, que da mesma forma vão merecer a presença na
Ilha dos Amores:
Duarte Pacheco Pereira (estrofes 12 a 23),
Francisco de Almeida e o seu filho
Lourenço de Almeida (26 a 38),
Tristão da Cunha (39),
Afonso de Albuquerque (40 a 49),
Lopo Soares de Albergaria (50 e 51),
Diogo Lopes de Sequeira (52),
Duarte de Menezes e o próprio
Vasco da Gama (53),
Henrique de Menezes (54 e 55),
Pêro Mascarenhas (56 a 58),
Lopo Vaz de Sampaio (59), Heitor da Silveira (60),
Nuno da Cunha (61),
Garcia de Noronha e António da Silveira (62),
Estêvão da Gama (62 e 63),
Martim Afonso de Sousa (63 a 67),
João de Castro e os seus filhos Álvaro e Fernando (67 a 72) e João de Mascarenhas (69).
A máquina do mundo
Acabado o banquete,
Tétis convida o Gama para o espectáculo da
Máquina do Mundo, o espectáculo único das
esferas celestes de
Ptolomeu (estrofes 77 a 144). Aqui vemos que ao
génio e aos
conhecimentos de
Camões sobre
geografia,
história,
mitologia,
religião,
guerra,
comportamento humano e
navegação, se junta o da
astronomia (do
século XVI, naturalmente).
Nas palavras de
António José Saraiva, "
é um dos supremos sucessos de Camões", "
as esferas são transparentes, luminosas, vêem-se todas ao mesmo tempo com igual nitidez; movem-se, e o movimento é perceptível, embora a superfície visível seja sempre igual. Conseguir traduzir isto por meio da "pintura que fala" é atingir um dos cumes da literatura universal."
Incluídas neste episódio ainda vão estar mais "profecias" sobre os portugueses; a história dos
milagres de
S. Tomé, evangelizador da
Índia (estrofes 108 a 118), com uma breve mas arriscada crítica aos
Jesuítas na estrofe 119; na estrofe 128 uma referência ao
naufrágio de Camões, em que se salvou
a nado com
Os Lusíadas, e uma curiosa previsão de que a sua «
Lira sonorosa Será mais afamada que ditosa» (a sua obra seria mais famosa do que a sua vida afortunada).
Depois disto, os
portugueses embarcam novamente e chegam sem mais problemas a
Lisboa, onde recebem as glórias que lhes são devidas.
Epílogo
| “Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.” |
- — Epílogo. Canto X, estrofe 145
|
A
epopeia termina com um
epílogo (estrofes 145 a 156), em que o poeta lamenta mais uma vez as injustiças que o Reino lhe terá cometido. Reforça a dedicatória da obra ao jovem rei
D. Sebastião e aproveita, como homem experiente da vida e dos conhecimentos, para lhe dar alguns conselhos: que se aconselhe com os melhores, governe com justiça, premeie apenas e sempre quem merece, lute com bravura e inteligência para expandir
Portugal e a
fé cristã. Deste modo, tal como
Aquiles foi cantado por
Homero, Camões cantará o seu rei.
Obras baseadas n'Os Lusíadas
- A origem deste texto não é clara, mas consta que, em 1589, quatro estudantes da Universidade de Évora escreveram uma paródia ao primeiro canto d'Os Lusíadas. É possível encontrar este poema no site Project Gutenberg.
- Em 1968 foi publicada, em edição de autor, uma obra intituada Os Lusos, da autoria de José da Costa, um autodidata de Vila Nova de Famalicão. A obra pretende ser a continuação de Os Lusíadas e está estruturada do mesmo modo, contendo quatro cantos que se iniciam por uma breve análise feita pelo autor.
- Em 1984, foi publicada em Portugal pela Editorial Notícias uma reedição d'Os Lusíadas em banda desenhada, criada por José Ruy. (ISBN 972-46-1144-2)
- Em 2000 foi publicada uma versão deste épico em banda desenhada (história em quadrinhos), do cartonista Fido Nesti (ISBN 85-7596-073-3);
- Em 2006 foi publicada outra BD (HQ) com o nome de Lusíadas 2500, uma nova leitura da obra de Camões, desta vez num ambiente futurístico de ficção científica, por Lailson de Holanda Cavalcanti (ISBN 85-04-01037-6)
- Álvares Cardoso Gomes lançou uma obra intitulada "Por Mares há muito navegados".
Texto completo de Os Lusíadas
Em outros idiomas
- Ambos Os Lusíadas de Camões e a banda desenhada de José Ruy foram traduzidos para o mirandês, língua minoritária do nordeste de Portugal, por Amadeu Ferreira e Fracisco Niebro, respectivamente.[7]
- Cópias de traduções integrais online encontram-se em:
-
|
- Também é possível encontrar traduções nos seguintes idiomas:
-
|
Referências e bibliografia
- ↑ Os Lusíadas, Luis de Camões, Publicações Europa-América, edição anotada (1997)
- ↑ Age of Discovery, 1400-1600, David Arnold, Routledge (2002) ISBN 0-415-27995-X
- ↑ Os Lusíadas no sapo.pt.
- ↑ Os Lusíadas no sapo.pt.
- ↑ Os Lusíadas no sapo.pt.
- ↑ Os Lusíadas no sapo.pt.
- ↑ Página em mirandês da Editora Lusíadas.
Ver também
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.