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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

PRETO E BRANCO - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

Um palco vazio. Entram dois homens, um vestido de preto e o outro vestido de branco. Eles representam os dois lados do Autor. Isso a platéia já sabe porque está escrito no programa. Pelo Autor. Ou por um dos lados do Autor, já que o outro era contra. Na sua opinião, dar muitas explicações para a platéia subverte o misto de cumplicidade e hostilidade que deve existir entre palco e público, e nada destrói este clima mais depressa do que o público descobrir que está entendendo tudo.

HOMEM DE BRANCO - Preto.

HOMEM DE PRETO - Branco.

BRANCO - Por que não uma mistura dos dois?

PRETO - Vem você com essa sua absurda mania de conciliação. Essa volúpia pelo entendimento. Essa tara pelo meio-termo!

BRANCO - Se não fosse isso, nós não estaríamos aqui. Foi minha moderação que nos manteve longe de brigas. Foi minha ponderação que nos preservou. Se eu fosse atrás de você...

PRETO - Nós teríamos vivido! Pouco, mas com um brilho intenso. Teríamos dito tudo que nos viesse à cabeça. Distinguido o pão do queijo com audácia. Colocado pingos destemidos em todos os "is". Dado nome e sobrenome a todos os bois!

BRANCO - Em vez disso, fomos civilizados. Isto é, contidos e cordatos.

PRETO - E temos os tiques nervosos para provar.

BRANCO - Você preferiria ter dito a piada que magoaria o amigo? A verdade que destruiria o amor? O insulto que nos levaria ao setor de traumatismo do Pronto Socorro?

PRETO - Preferiria. Para poder dizer que não me calei. Para poder dizer "Eu disse!".

BRANCO - Ainda bem que não é você que manda em nós.

PRETO - Não, é você. Sempre fazemos o que você determina. Ou não fazemos. Não dizemos. Não vivemos! Estou dentro de você, fazendo, dizendo e vivendo só em pensamento. Se ao menos eu pudesse sair aos sábados...

BRANCO - Para que, para nos matar? Pior, para nos envergonhar?

PRETO - Melhor se envergonhar pelo dito e o feito do que pelo não dito e o adiado. Você sabe que cada soco que um homem não dá encurta a sua vida em 17 dias? E, cada vez que um homem pensa em sair dançando um bolero na rua e se controla, seu fígado aumenta? E cada...

BRANCO - Bobagem. Ainda bem que eu sou o verdadeiro nós.

PRETO - Não, eu sou o verdadeiro você.

BRANCO - Você só é nós em pensamento. Você é a minha abstração.

PRETO - Sou tudo o que em nós é autêntico. Ou seja: você é a minha falsificação.

BRANCO - Mas quem aparece sou eu.

PRETO - Então o que eu estou fazendo neste palco, e ainda por cima de malha justa?

BRANCO - Você só está aqui como uma velha tradição teatral, o interlocutor providencial. Um artifício cênico, para o Autor não falar sozinho.

PRETO - Quer dizer que eu só entrei em cena para dizer...

BRANCO - Branco. E eu...

PRETO - Preto. Por quê?

BRANCO - Para mostrar à platéia que todo homem é a soma, ou a mescla, das suas contradições. Que no fim o destino comum de todos não é ser branco nem preto, é ser cinza. E não estou falando em cremação.

PRETO - Mostrar a quem?

BRANCO - À pla... Onde está a platéia?!

PRETO - Foram todos embora.

BRANCO - Porque não entenderam o nosso diálogo?

PRETO - Porque entenderam. Eu não disse?

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