sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Ruth Rocha - Marcelo, marmelo, martelo



Marcelo vivia fazendo perguntas a todo mundo:
-- Papai, por que é que a chuva cai?
-- Mamãe, por que é que o mar não derrama?
-- Vovó, por que é que o cachorro tem quatro pernas?
As pessoas grandes às vezes respondiam.
Às vezes, não sabiam como responder.
-- Ah, Marcelo, sei lá...
Uma vez, Marcelo cismou com o nome das coisas:
-- Mamãe, por que é que eu me chamo Marcelo?
-- Ora, Marcelo foi o nome que eu e seu pai escolhemos.
-- E por que é que não escolheram martelo?
-- Ah, meu filho, martelo não é nome de gente! É nome de ferramenta...
-- Por que é que não escolheram marmelo?
-- Porque marmelo é nome de fruta, menino!
-- E a fruta não podia chamar Marcelo, e eu chamar marmelo?
No dia seguinte, lá vinha ele outra vez:
-- Papai, por que é que a mesa chama mesa?
-- Ah, Marcelo, vem do latim.
-- Puxa, papai, do latim? E latim é língua de cachorro?
-- Não, Marcelo, latim é uma língua muito antiga.
-- E por que é que esse tal de latim não botou na mesa o nome de cadeira, na cadeira nome de parede, e na parede nome de bacalhau?
-- Ai, meu Deus, este menino me deixa louco!
Daí a alguns dias, Marcelo estava jogando futebol com o pai:
-- Sabe, papai, eu acho que o tal de latim botou nome errado nas coisas. Por exemplo: por que é que a bola chama bola?
-- Não sei, Marcelo, acho que bola lembra uma coisa redonda, não lembra?
-- Lembra, sim, mas... e bolo?
-- Bolo também é redondo, não é?
-- Ah, essa não! Mamãe vive fazendo bolo quadrado...
O pai de Marcelo ficou atrapalhado.
Marcelo continuou pensando:
"Pois é, está tudo errado! Bola é bola, porque é redonda.
Mas bolo nem sempre é redondo. E por que será que a bola não é a mulher do bolo? E bule? E belo? E bala? Eu acho que as coisas deviam ter nome mais apropriado. Cadeira, por exemplo. Devia chamar sentador, não cadeira, que não quer dizer nada. E travesseiro? Devia chamar cabeceiro,lógico! Também, agora, eu só vou falar assim". Logo de manhã, Marcelo começou a falar sua nova língua:
-- Mamãe, quer me passar o mexedor?
-- Mexedor? Que é isso?
-- Mexedorzinho, de mexer café.
-- Ah... colherinha, você quer dizer.
-- Papai, me dá o suco de vaca?
-- Que é isso, menino?
-- Suco de vaca, ora! Que está no suco-da-vaqueira.
-- Isso é leite, Marcelo. Quem é que entende este menino?
O pai de Marcelo resolveu conversar com ele:
-- Marcelo, todas as coisas têm um nome. E todo mundo tem que chamar pelo mesmo nome, porque, senão, ninguém se entende...
-- Não acho, papai. Por que é que eu não posso inventar o nome das coisas? "BIRIQUITOTE! XEFRA!"
-- Deixe de dizer bobagens, menino! Que coisa mais feia!
-- Está vendo como você entendeu, papai? Como é que você sabe que eu disse um nome feio? O pai de Marcelo suspirou: Vá brincar, filho, tenho muito que fazer... Mas Marcelo continuava não entendendo a história dos nomes. E resolveu continuar a falar, à sua moda. Chegava em casa e dizia:
-- Bom solário pra todos...
O pai e a mãe de Marcelo se olhavam e não diziam nada. E Marcelo continuava inventando:
-- Sabem o que eu vi na rua? Um puxadeiro puxando uma carregadeira. Depois, o puxadeiro fugiu e o possuidor ficou danado. A mãe de Marcelo já estava ficando preocupada. Conversou com o pai:
-- Sabe, João, eu estou muito preocupada com o Marcelo, com esta mania de inventar nomes para as coisas... Você já pensou, quando começarem as aulas? Esse menino vai dar trabalho...
-- Que nada, Laura! Isso é uma fase que passa. Coisa de criança... Mas estava custando a passar... Quando vinham visitas, era um caso sério. Marcelo só cumprimentava
dizendo:
-- Bom solário, bom lunário... -- que era como ele chamava o dia e a noite. E os pais de Marcelo morriam de vergonha das visitas. Até que um dia... O cachorro do Marcelo, o Godofredo, tinha uma linda casinha de madeira que Seu João tinha feito para ele. E Marcelo só chamava a casinha de moradeira, e o cachorro de Latildo. E aconteceu que a casa do Godofredo pegou fogo. Alguém jogou uma ponta de cigarro pela grade, e foi aquele desastre! Marcelo entrou em casa correndo:
-- Papai, papai, embrasou a moradeira do Latildo!
-- O quê, menino? Não estou entendendo nada!
-- A moradeira, papai, embrasou...
-- Eu não sei o que é isso, Marcelo. Fala direito!
-- Embrasou tudo, papai, está uma branqueira danada! Seu João percebia a aflição do filho, mas não entendia nada... Quando Seu João chegou a entender o que Marcelo estava falando, já era tarde. A casinha estava toda queimada. Era um montão de brasas. O Godofredo gania baixinho... E Marcelo, desapontadíssimo, disse para o pai:
-- Gente grande não entende nada de nada, mesmo!
Então a mãe do Marcelo olhou pro pai do Marcelo.
E o pai do Marcelo olhou pra mãe do Marcelo.
E o pai do Marcelo falou:
-- Não fique triste, meu filho. A gente faz uma moradeira nova pro Latildo. E a mãe do Marcelo disse:
-- É sim! Toda marronzinha, com a entradeira na frente e um cobridor bem azulzinho... E agora, naquela família, todo mundo se entende muito bem. O pai e a mãe do Marcelo não aprenderam a falar como ele, mas fazem força pra entender o que ele fala. E nem estão se incomodando com o que as visitas pensam... Você gostou do fim da história? Se você fosse o autor, como é que você gostaria que a história acabasse? Por que é que você não escreve a história de um menino, ou de uma menina, que também inventou um jeito diferente de falar? Depois, mostre sua história à sua professora.



                        

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