A
ciência desmistifica o antigo ditado de que “o dinheiro não traz
felicidade”. Vários estudos indicam que a renda torna a vida mais
satisfatória, embora não garanta a felicidade a ninguém. Há quem diga
que R$ 11 mil por mês seria o número mágico. Mas renda demais também
gera problemas
Por Fabíola Musarra
Não é de hoje que a felicidade
frequenta o universo dos sonhos, da música, da poesia e da literatura.
Há 40 anos ela pisou em solo acadêmico, no qual é objeto de investigação
em economia, psicologia, ciências políticas e medicina. Em comum, todos
os estudos têm uma pergunta: o que faz alguém ser feliz? Ao longo das
décadas, os pesquisadores ofereceram várias respostas. A mais recente,
realizada em 2010 pela Wharton School, da Pensilvânia, a mais antiga e
conceituada escola de administração dos Estados Unidos, afirma, o
dinheiro traz a felicidade.
Para chegar a essa conclusão, os
norte-americanos examinaram dados de 140 países e constataram que quanto
mais dinheiro a pessoa tem, mais satisfeita ela está com a vida – o que
vale para um cidadão brasileiro, dos EUA ou de qualquer outro país do
mundo. A felicidade está baseada na renda absoluta (ter renda). Por
isso, depende muito da prosperidade econômica e da distribuição de renda
do país onde se vive. Assim, quanto mais rica a nação, mais felizes são
os cidadãos.
“Intuitivamente, isso faz sentido”, diz
Justin Wolfers, professor de negócios e políticas públicas da Wharton
School e um dos autores da pesquisa Subjective Well-Being: Income, Economic Development and Growth.
Não há dúvida de que quem nasce em um país desenvolvido tem uma vida
bem mais fácil. “Nos EUA, por exemplo, não temos de nos preocupar com o
fato de nossas crianças estarem morrendo, como acontece em alguns países
subdesenvolvidos. Nem temos de ganhar a vida por meio do trabalho
manual”, afirma.
Pesquisas anteriores sugeriam que as
pessoas eram felizes quando se comparavam aos vizinhos ou colegas de
trabalho e percebiam-se em condições iguais ou superiores às deles. Pela
lógica da renda comparativa, os mais pobres seriam felizes se
estivessem apenas um pouco melhor do que aqueles ao redor. “Essa
conclusão era muito conveniente para pessoas de nações prósperas”,
observa Wolfers, “porque induzia à constatação de que os carentes
estavam acostumados à sua pobreza relativa e os mais ricos não
precisavam se sentir mal enquanto dirigiam um BMW”.
No decorrer dos anos
Wolfers e equipe analisaram as mudanças
de felicidade ao longo do tempo. Eles descobriram que, de modo geral, os
cidadãos de países que experimentam o crescimento econômico tendem a se
tornar mais felizes. O Brasil é um exemplo. Com o crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos cinco anos e a diminuição do
desemprego, o brasileiro é o 12º povo mais feliz do mundo, segundo uma
pesquisa feita com 155 países pela Organização Gallup, a pedido da
revista norte-americana Forbes.
O estudo avaliou como as pessoas se
sentiam em relação à vida entre os anos de 2005 e 2009, e colocou o
Brasil à frente de nações como os Estados Unidos, a França, a Espanha e a
Itália. Nas Américas, o país ficou atrás só da Costa Rica e do Canadá,
na 6ª e 8ª colocações, respectivamente. A Dinamarca, na época, era a
campeã do bem-estar, seguida da Finlândia, Noruega, Suécia e Holanda. No
rol dos países carentes, o Togo (África) é o campeão da infelicidade,
seguido pelos países africanos Burundi e Comores, e pelo Camboja (Ásia).
Anteriormente, em 2008, a Gallup já havia
feito uma pesquisa em 132 países sobre o estado de satisfação pessoal e
o estado de felicidade (The Well-Being Index), Essas
informações foram processadas em um banco de dados e as respostas foram
colocadas em um gráfico. Por meio dele, os cientistas constataram que
quanto maior o nível de renda per capita, maior é o grau de satisfação.
Aí, também a Finlândia, a Noruega, a Nova Zelândia, os EUA e a Itália
apresentam índices de satisfação mais altos, enquanto Haiti, Congo,
Quênia, Camarões e Angola, muito baixos.
O banco de dados da Gallup serviu de base
para o estudo do economista Angus Deaton, da Universidade de Princeton
(EUA), e do psicólogo Daniel Kahneman, vencedor do Prêmio Nobel de
Economia em 2002. Determinados a saber até que ponto o dinheiro compra a
felicidade, os dois analisaram 450 mil respostas de mil
norte-americanos, coletadas entre 2008 e 2009, definindo o “preço da
felicidade”: uma renda anual de até US$ 75 mil (cerca de R$ 130 mil, ou
R$ 11 mil mensais).
Como fatores geradores de felicidade os
entrevistados destacaram: renda, religião, maturidade, casamento, plano
de saúde, filhos e educação superior. Como fatores de infelicidade nos
Estados Unidos foram indicados: a solidão, os problemas de saúde, a dor
de cabeça, o vício de fumar, sustentar família, a obesidade eo
divórcio.
O mais interessante é
que, a partir do patamar de R$ 11 mil, mais riqueza não significa mais
felicidade. O importante, portanto, não é ser rico e sim não ser pobre. O
estudo aponta que a alta renda não garante a felicidade, embora torne a
vida mais satisfatória. Em contrapartida, a baixa renda – um salário
mensal abaixo de R$ 11 mil – compromete o bem-estar emocional em casos
de divórcio e doenças.
No Brasil
“O fato de Deaton e Kahneman terem chegado ao valor de US$ 75 mil anuais não significa que basta converter o valor em reais para encontrar o valor da felicidade dos brasileiros”, diz a economista Sabrina Vieira Lima, doutoranda em economia pela Universidade de Milão-Bicocca, Itália. “Cada país é um caso único. Deve-se, sobretudo, levar em consideração o custo de vida e fatores como estilo de consumo e de sociabilidade”, afirma. Infelizmente, nunca foi feita uma pesquisa multidisciplinar, misturando economia, antropologia, sociologia e psicologia, capaz de definir a “felicidade brasileira”.
“O fato de Deaton e Kahneman terem chegado ao valor de US$ 75 mil anuais não significa que basta converter o valor em reais para encontrar o valor da felicidade dos brasileiros”, diz a economista Sabrina Vieira Lima, doutoranda em economia pela Universidade de Milão-Bicocca, Itália. “Cada país é um caso único. Deve-se, sobretudo, levar em consideração o custo de vida e fatores como estilo de consumo e de sociabilidade”, afirma. Infelizmente, nunca foi feita uma pesquisa multidisciplinar, misturando economia, antropologia, sociologia e psicologia, capaz de definir a “felicidade brasileira”.
Antes de embarcar para a Itália, onde continua estudando o tema, Sabrina defendeu a tese de mestrado Economia e Felicidade: Um Estudo Empírico dos Determinantes da Felicidade no Brasil,
em 2008, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de
Ribeirão Preto, da USP. Seu estudo também concluiu que a renda e o
emprego são fatores decisivos da felicidade.
Os dados coletados vieram de
levantamentos feitos entre 1991 e 1997 pela World Values Survey (WVS),
organização sueca que auxilia cientistas sociais e propõe políticas
públicas mundiais, mediante entrevistas com 2.931 brasileiros de todas
as regiões do país. A conclusão confirmou o resultado das pesquisas
internacionais ao atribuir uma relação positiva entre renda e
felicidade. “Essa relação tende a ter um peso maior para as pessoas que
estão próximas da linha de pobreza ou de situações de não atendimento
adequado de suas necessidades básicas de sobrevivência”, explica
Sabrina.
Para certificar-se de que os efeitos da
renda e do desemprego sobre a felicidade não eram influenciados por
outros fatores (tais como morar em uma região mais rica ou ter uma
educação melhor), a economista adicionou variáveis sociodemográficas e
fatores como renda absoluta, renda comparativa, desemprego, reemprego,
escolaridade, gênero, estado civil, idade, religião e a região do país
onde vive.
“A renda absoluta tem muito mais impacto
na felicidade do que a renda comparativa”, ressalta Sabrina. “Isso pode
ocorrer pelo fato de o Brasil ser um país onde a maioria está
concentrada em faixas de baixa renda. Entre a população economicamente
ativa, não estar desempregado é visto como mais significativo para a
felicidade do que a probabilidade de conseguir um emprego ou o risco de
perdê-lo”, completa.
Interessada em saber se os resultados da
sua tese continuam válidos, Sabrina analisou os dados da WVS para o ano
de 2006 e constatou que a proporção dos brasileiros que se declaram
“felizes” (56%) havia diminuído com relação a 1997 (61%), mas se manteve
acima do nível de 1991 (55%). Já o número dos que se declaram “muito
felizes” aumentou de 21%, em 1991 e 1997, para 34%, em 2006. Por sua
vez, o índice dos que se declaram “não muito felizes” caiu pela metade e
passou de 18% para 9%, enquanto o número dos que se consideram
“infelizes” diminuiu de 2% para 1%, em 2006.
Não há dúvida de que os brasileiros estão
vivendo dias melhores. Sabrina atribui o “aumento” da felicidade aos
efeitos causados pelo desenvolvimento econômico do País no período de
1997 a 2006. Nos países desenvolvidos, existe o paradoxo da felicidade:
um maior crescimento econômico tende a ter impacto nulo na felicidade
ou, em alguns casos, impacto negativo, devido ao aumento do
individualismo, do afrouxamento dos laços familiares, dos divórcios, do
uso de drogas, da criminalidade, dos suicídios, do consumismo, da
obesidade, da poluição e outros males da afluência.
Na opinião da especialista, necessidades
básicas como alimentação, moradia, educação, saúde e transporte precisam
ser asseguradas como precursoras da felicidade. Mas, quando são
atendidas, as políticas públicas precisam mudar o foco do crescimento
econômico, ou do aumento do PIB, para o aumento da satisfação com a vida
– a razão de ser do FIB.
Já em países em desenvolvimento, como o
Brasil, isso não se verifica com a mesma intensidade. “Em muitas faixas
da população e áreas geográficas do país, como no Norte ou em regiões
rurais, os acréscimos de renda têm um efeito positivo sobre o bem-estar
material e a felicidade subjetiva individual, já que incidem no
desenvolvimento de muitas dimensões não atendidas ou precárias das
pessoas, como o acesso à educação, saúde e moradia.”
Em um futuro próximo Criador da Fundação Gapminder, cuja missão é transformar indicadores sociais em gráficos, o sueco Hans Rosling ilustra como vivem hoje os 7 bilhões de habitantes do planeta e antecipa o que acontecerá ao mundo com a chegada dos próximos 2 bilhões de pessoas. Desde 1970, a parcela de miseráveis (os que vivem com menos de US$ 1 por dia) vem caindo de 38% para 19%, em 2000. |
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Assim caminha a humanidade:
O
crescimento populacional até 2050 virá dos 2 bilhões de pobres, cuja
população dobrará. Eles têm muitos filhos e uma mortalidade infantil
alta, entre 20% e 40%. Nesse período, a China se tornará um país rico e
os países em desenvolvimento mudarão de patamar de consumo. Os problemas
cruciais do mundo, segundo Rosling, se resumem a duas questões: a) É
preciso tirar 2 bilhões da situação de pobreza, pois quando a renda
aumenta o número de filhos por mulher cai; b) Se o mundo não abraçar
tecnologias verdes, explodirá.
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Pioneirismo
Realizado há 37 anos pelo economista Richard Easterlin, da Universidade do Sul da Califórnia (EUA), o trabalho pioneiro sobre a economia da felicidade, como foi batizada a nova disciplina, já revelava que, acima da linha de pobreza, a capacidade do dinheiro gerar mais felicidade é “marginal”. Além de determinado ponto – quando as necessidades básicas de sobrevivência são atendidas -, mais riqueza não significa mais felicidade, pelo contrário. “O trabalho de Easterlin se tornou um clássico das ciências sociais, mas não é o melhor”, afirma Susan Andrews, psicóloga e antropóloga formada pela Universidade Harvard (EUA).
“Felicidade não é ter mais dinheiro no bolso, mas mais amor no coração”, afirma. Prova disso são os EUA. Enquanto o PIB norte-americano triplicou dos anos 1970 até a eclosão da crise financeiro-imobiliária de 2008, não houve aumento na sensação de bem-estar subjetivo. “Na realidade, o nível de felicidade declinou”, diz Susan, que é a coordenadora do projeto Felicidade Interna Bruta (FIB) no Brasil.
Realizado há 37 anos pelo economista Richard Easterlin, da Universidade do Sul da Califórnia (EUA), o trabalho pioneiro sobre a economia da felicidade, como foi batizada a nova disciplina, já revelava que, acima da linha de pobreza, a capacidade do dinheiro gerar mais felicidade é “marginal”. Além de determinado ponto – quando as necessidades básicas de sobrevivência são atendidas -, mais riqueza não significa mais felicidade, pelo contrário. “O trabalho de Easterlin se tornou um clássico das ciências sociais, mas não é o melhor”, afirma Susan Andrews, psicóloga e antropóloga formada pela Universidade Harvard (EUA).
“Felicidade não é ter mais dinheiro no bolso, mas mais amor no coração”, afirma. Prova disso são os EUA. Enquanto o PIB norte-americano triplicou dos anos 1970 até a eclosão da crise financeiro-imobiliária de 2008, não houve aumento na sensação de bem-estar subjetivo. “Na realidade, o nível de felicidade declinou”, diz Susan, que é a coordenadora do projeto Felicidade Interna Bruta (FIB) no Brasil.
Inspirado pelo pioneiro
Butão, pequeno país budista situado na encosta da Cordilheira do
Himalaia, entre a China e a Índia, que há mais de 40 anos trocou o PIB
pelo FIB como indicador social, o movimento tem como meta identificar os
determinantes da felicidade a partir de um novo modelo de progresso
capaz de unificar fatores e de procurar o equilíbrio sob a primazia da
felicidade. Também oferece recursos para as políticas públicas avaliarem
sua contribuição para a felicidade e o bem-estar dos países.
Prestes a se tornar uma
potência mundial, o Brasil precisa urgentemente repensar quais os
caminhos que pretende trilhar”, alerta Susan. Ela questiona se o país
quer se tornar uma potência como os EUA, onde desde os anos 1950 o PIB
aumentou três vezes, mas o número de divórcios, suicídios de
adolescentes e crimes violentos superou – e muito – esse crescimento.
“Os norte-americanos aumentaram demasiadamente sua riqueza, mas no
processo perderam algo mais precioso: o sentido de comunidade”, diz.
“Todas as pesquisas psicológicas constatam que a fonte mais duradoura de
felicidade são os laços harmoniosos e amorosos entre as pessoas.”
Quando menos é mais
No livro O Espírito da Igualdade – Por que razão sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor
(Ed. Presença), os ingleses Richard Wilkinson e Kate Pickett afirmam
que são as desigualdades sociais, e não a pobreza em si, que mais
contribuem para os principais problemas dos países afluentes. Por meio
da análise dos indicadores presentes em vários relatórios, os autores
revelam como a violência, a toxicodependência, a obesidade, as doenças
mentais e a gravidez na adolescência são menos frequentes em comunidades
onde a disparidade de renda é menor – independentemente do fato de
serem ricas ou não.
“A partir de um certo nível de renda, a
redução das desigualdades contribui mais para o bem-estar do que o
crescimento econômico”, sustentam os autores. Não apenas os pobres são
mais felizes em uma sociedade igualitária, mas também os ricos. O
economista brasileiro André Lara Resende, admirador do livro, reitera
que já está muito claro que o crescimento econômico cessa de ser o motor
do progresso a partir de um determinado nível de renda – “acima do qual
já estão todos os países latino-americanos, por exemplo”.
A desigualdade tem um efeito corrosivo.
“Nas sociedades em que existe grande desigualdade, o crescimento
econômico não aumenta o bem-estar”, afirma Lara Resende. Ao contrário,
substitui as doenças e as dificuldades da pobreza absoluta pelas doenças
e as infelicidades da afluência. “Nas sociedades desiguais, o
crescimento transfere para os pobres as doenças anteriormente associadas
aos ricos, que se tornam muito mais frequentes nos pobres do que nos
ricos.”
Segundo o economista, tão importante quanto a maior igualdade de
renda e de consumo é compreender que “se estivermos necessariamente
obrigados a crescer e enriquecer para continuar a melhorar a qualidade
de vida, estaremos diante de um impasse, pois é evidente que não será
mais possível crescer, enriquecer e – sobretudo – consumir, nos padrões
de hoje, por mais muito tempo, sem esbarrar nos limites físicos do meio
ambiente”.O desafio do nosso tempo, avalia o economista, que foi um dos mentores do Plano Real, é, justamente, “transitar para uma sociedade de padrões de consumo menos extravagantes e mais igualitários, sem comprometer o dinamismo das economias de mercado e as liberdades individuais”.
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