Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.
Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.
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Este é um dos contos que mais revelam a realidade familiar presa no curso do tempo que mais parece ligar-se a uma eternidade. Uma verdade que se põe longe das definições filosóficas e convencionais batiza o pequeno conto de Trevisan, cujo enredo nos coloca diante de uma imagem fílmico-fotográfica triste de um homem solitário. Solitário sim... A que se deve essa solidão? Talvez a morte denunciada pela ausência constante da Senhora faça o narrador avaliar o mal sem volta provocado por sua indiferença.
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