domingo, 29 de dezembro de 2013

Sr. BRASIL - HOMENAGEM A CORA CORALINA

RIO VERMELHO
Cora Coralina
Longe do Rio Vermelho      
Fora da serra dourada.
Distante desta cidade,
Não sou nada, minha gente.
Sem rebuço, falo sim.
Publico para quem quiser.
Arrogante digo a todos.
Sou Paranaíba para cá.
E isto chega pra mim.
Rio Vermelho das janelas da casa velha da ponte...
Rio que se afunda de baixo das pontes.
Que se alarga nos remansos.
Esteira de lambaris.
Peixe cascudo nas locas.
Rio, vidraça do céu.
Das nuvens e das estrelas.
Tira retrato da lua.
Da lua quarto crescente
Que mora detrás do morro.
Lua que veste a cidade de branco
E tece rendado de marafunda
Na sombra das cajazeiras.
Rio de águas velhas.
Roladas das enxurradas.
Crescidas das grandes chuvas.
Chovendo nas cabeceiras.
Rio do princípio do mundo
Rio da contagem das eras.
Rio – mestre de química.
Na retorta das corredeiras,
Corrige canos, esgoto, bueiros,
Das casas das ruas, dos becos.
Da minha terra.
Rio, santo milagroso.
Padroeiro que guarda e zela
A saúde da minha gente,
Da minha antiga cidade largada.
Rio de lavadeiras lavando roupa.
De menino lavando o corpo.
De potes se enchendo da água.
E quem já ficou doente da água do rio?
Quem já teve ferida braba, febre malina,
Pereba, sarna ou coceira?
Rio, meu pobre Jô...
Cumprindo sua dura sina.
Raspando sua lazeira
Nos cacos dos seus monturos.
Rio, Jô que se alimpa,
Pela graça de deus, virgem santa Maria,
Nas cheias de suas enchentes
Que carregam seus monturos.
Ponte da lapa da minha infância...
Da escola da Mestra Silvina,
Do tempo em que eu era Aninha...
Ponte do Carmo, querida,
Dos namorados de longe.
Pó onde passava enterro,
Dos anjinhos de Goiás,
Que iam pro cemitério,
Pintadinho de carmin.
E a música tocando atrás
A valsa da despedida.
Ponte nova do Mercado
      - Foi pinguela do Antonio Manuel,
Banheiro da meninada.
Ponte do padre pio dos potes d água.´
Carioca de nós todos.
Pinguelona dos destemidos,
Contando a estória de um sino.
Sino grande, impensado,
Nas locas da cachoeira.
Sino da igreja da Lapa,
Que rodou na grande enchente
Tocando pro rio abaixo.
Até que parou imprensado
Nas pedras da pinguelona.
Gente que passa ali perto
Conta estória do sino:
Inda toca á meia-noite
Quando a cidade se aquieta,
E as águas ficam dormindo
Tange,pedindo uma graça:
Que algum cristão caridoso,
O salve daquele poço,
O tire debaixo d´ águas
Pois seu destino de sino
É no de uma torre
Abençoando a cidade.
Dando aviso para o povo
-louvar a deus poderoso.
Poço da mandobeira...
Poço do bispo...
Sombras de velhos banhistas dos velhos tempos.
Sabão do reino no bolso.
Toalha passada ao ombro
Cigarro de palha no bico.
A vitamina do banho.
Banho da carioca.
Águas vitaminadas...
Rio vermelho – meu rio.
Rio que atravessei um dia
(Altas horas.mortas horas.)
há cem anos...
em busca do meu destino.
Da janela da casa velha
Todo dia,de manhã,
Tomo a benção do rio:
      - Rio Vermelho,meu avozinho,
Dá sua bença pra mim...

CORA CORALINA

CORA CORALINA, QUEM É VOCÊ?
Cora Coralina
Sou mulher como outra qualquer.
Venho do século passado
e trago comigo todas as idades.
Nasci numa rebaixa de serra
Entre serras e morros.
“Longe de todos os lugares”.
Numa cidade de onde levaram
o ouro e deixaram as pedras.
Junto a estas decorreram
a minha infância e adolescência.
Aos meus anseios respondiam
as escarpas agrestes.
E eu fechada dentro
da imensa serrania
que se azulava na distância
longínqua.
Numa ânsia de vida eu abria
O vôo nas asas impossíveis
do sonho.
Venho do século passado.
Pertenço a uma geração
ponte, entre a libertação
dos escravos e o trabalhador livre.
Entre a monarquia caída e a república
que se instalava.
Todo o ranço do passado era presente.
A brutalidade, a incompreensão, a ignorância, o carrancismo.
Os castigos corporais.
Nas casas. Nas escolas.
Nos quartéis e nas roças.
A criança não tinha vez,
Os adultos eram sádicos
aplicavam castigos humilhantes. 
Tive uma velha mestra que já
havia ensinado uma geração
antes da minha.
Os métodos de ensino eram
antiquados e aprendi as letras
em livros superados de que
ninguém mais fala.
Nunca os algarismos me
entraram no entendimento.
De certo pela pobreza que marcaria
Para sempre minha vida.
Precisei pouco dos números.
Sendo eu mais doméstica do
que intelectual,
não escrevo jamais de forma
consciente e racionada, e sim
impelida por um impulso incontrolável.
Sendo assim, tenho a
consciência de ser autêntica.
Nasci para escrever, mas, o meio,
o tempo, as criaturas e fatores
outros, contra-marcaram minha vida.
Sou mais doceira e cozinheira
Do que escritora, sendo a culinária
a mais nobre de todas as Artes:
objetiva, concreta, jamais abstrata
a que está ligada à vida e
à saúde humana.
Nunca recebi estímulos familiares para ser literata.
Sempre houve na família, senão uma
hostilidade, pelo menos uma reserva determinada
a essa minha tendência inata.
Talvez, por tudo isso e muito mais,
sinta dentro de mim, no fundo dos meus
reservatórios secretos, um vago desejo de analfabetismo.
Sobrevivi, me recompondo aos
bocados, à dura compreensão dos
rígidos preconceitos do passado.
Preconceitos de classe.
Preconceitos de cor e de família.
Preconceitos econômicos.
Férreos preconceitos sociais.
A escola da vida me suplementou
as deficiências da escola primária
que outras o destino não me deu. 
Foi assim que cheguei a este livro
Sem referências a mencionar.
Nenhum primeiro prêmio.
Nenhum segundo lugar.
Nem Menção Honrosa.
Nenhuma Láurea.
Apenas a autenticidade da minha
poesia arrancada aos pedaços
do fundo da minha sensibilidade,
e este anseio:
procuro superar todos os dias
Minha própria personalidade
renovada,
despedaçando dentro de mim
tudo que é velho e morto.
Luta, a palavra vibrante
que levanta os fracos
e determina os fortes.
Quem sentirá a Vida
destas páginas...
Gerações que hão de vir
de gerações que vão nascer.
(Meu Livro de Cordel, p.73 -76, 8°ed, 1998)
Cora Coralina
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Cora Coralina
A Casa Velha da Ponte, onde viveu Cora Corallina na Cidade de Goiás
Nascimento 20 de agosto de 1889
Goiás Velho
Morte 10 de abril de 1985 (95 anos)
Goiânia
Nacionalidade Brasil Brasileira
Ocupação Poetisa
Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, (Cidade de Goiás, 20 de agosto de 1889Goiânia, 10 de abril de 1985) foi uma poetisa e contista brasileira. Considerada uma das principais escritoras brasileiras, ela teve seu primeiro livro publicado em junho de 1965 (Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais),1 quando já tinha quase 76 anos de idade.2 3
Mulher simples, doceira de profissão, tendo vivido longe dos grandes centros urbanos, alheia a modismos literários, produziu uma obra poética rica em motivos do cotidiano do interior brasileiro, em particular dos becos e ruas históricas de Goiás.

Biografia

Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, que adotou o pseudônimo de Cora Coralina, era filha de Francisco Paula Lins Guimarães Peixoto, desembargador nomeado por D. Pedro II, e de dona Jacintha Luiza do Couto Brandão. Ela nasceu e foi criada às margens do rio Vermelho, em casa comprada por sua família no século XIX, quando seu avô ainda era uma criança. Estima-se que essa casa foi construída em meados do século XVIII, tendo sido uma das primeiras edificações da antiga Vila Boa de Goiás. Começou a escrever os seus primeiros textos aos 14 anos, publicando-os nos jornais da cidade de Goiás, e nos jornais de outras cidades, como constitui exemplo o semanário "Folha do Sul" da cidade goiana de Bela Vista - desde a sua fundação a 20 de janeiro de 1905 -, e nos periódicos de outros rincões, assim a revista A Informação Goiana do Rio de Janeiro, que começou a ser editada a 15 de julho de 1917, apesar da pouca escolaridade, uma vez que cursou somente as primeiras quatro séries, com a Mestra Silvina. Melhor, Mestre-Escola Silvina Ermelinda Xavier de Brito (1835 - 1920). Conforme Assis Brasil, na sua antologia "A Poesia Goiana no Século XX", Rio de Janeiro: IMAGO Editora, 1997, página 66, "a mais recuada indicação que se tem de sua vida literária data de 1907, através do semanário 'A Rosa', dirigido por ela própria e mais Leodegária de Jesus, Rosa Godinho e Alice Santana." Todavia, constam trabalhos seus nos periódicos goianos antes dessa data. É o caso da crônica "A Tua Volta", dedicada 'Ao Luiz do Couto, o querido poeta gentil das mulheres goianas', estampada no referido semanário "Folha do Sul", da cidade de Bela Vista, ano 2, n. 64, p. 1, 10 de maio de 1906.
Ao tempo em que publica essa crônica, ou um pouco antes, Cora Coralina começa a frequentar as tertúlias do "Clube Literário Goiano", situado em um dos salões do sobrado de dona Virgínia da Luz Vieira. Que lhe inspira o poema evocativo "Velho Sobrado". Quando começa então a redigir para o jornal literário "A Rosa" (1907). Publicou, nessa fase, em 1910, o conto Tragédia na Roça.
Em 1911, fugiu para o estado de São Paulo com o advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, que exercia o cargo de Chefe de Polícia, equivalente ao de secretário da Segurança, do governo do presidente Urbano Coelho de Gouvêa - 1909 - 1912, onde viveu durante 45 anos, inicialmente nos municípios de Avaré e Jaboticabal onde nasceram seus seis filhos: Paraguaçu, Eneas, Cantídio, Jacintha, Ísis e Vicência. Ísis e Eneas morreram logo depois de nascer. Em (1924), mudou para São Paulo. Ao chegar à capital, teve de permanecer algumas semanas trancada num hotel em frente à Estação da Luz, uma vez que os revolucionários de 1924 haviam parado a cidade.
Em 1930, presenciou a chegada de Getúlio Vargas à esquina da rua Direita com a Praça do Patriarca. Seu filho Cantídio participou da Revolução Constitucionalista de 1932.
Com a morte do marido, passou a vender livros. Posteriormente, mudou-se para Penápolis, no interior do estado, onde passou a produzir e vender linguiça caseira e banha de porco. Mudou-se em seguida para Andradina, cidade que até hoje 2013 mantém uma casa da cultura com seu nome como homenagem, até que, em 1956, retornou para Goiás.
Ao completar 50 anos, a poetisa relata ter passado por uma profunda transformação interior, a qual definiria mais tarde como "a perda do medo". Nessa fase, deixou de atender pelo nome de batismo e assumiu o pseudônimo que escolhera para si muitos anos atrás. Durante esses anos, Cora não deixou de escrever poemas relacionados com a sua história pessoal, com a cidade em que nascera e com ambiente em que fora criada. Ela chegou ainda a gravar um LP declamando algumas de suas poesias. Lançado pela gravadora Paulinas Comep, o disco ainda pode ser encontrado hoje em formato CD. Cora Coralina faleceu em Goiânia, de pneumonia. A sua casa na Cidade de Goiás foi transformada num museu em homenagem à sua história de vida e produção literária.

Primeiros passos literários

Os elementos folclóricos que faziam parte do cotidiano de Ana serviram de inspiração para que aquela frágil mulher se tornasse a dona de uma voz inigualável e sua poesia atingisse um nível de qualidade literária jamais alcançado até aí por nenhum outro poeta do Centro-Oeste brasileiro.
Senhora de poderosas palavras, Ana escrevia com simplicidade e seu desconhecimento acerca das regras da gramática contribuiu para que sua produção artística priorizasse a mensagem ao invés da forma. Preocupada em entender o mundo no qual estava inserida, e ainda compreender o real papel que deveria representar, Ana parte em busca de respostas no seu cotidiano, vivendo cada minuto na complexa atmosfera da Cidade de Goiás, que permitiu a ela a descoberta de como a simplicidade pode ser o melhor caminho para atingir a mais alta riqueza de espírito.

Divulgação nacional

Foi ao ter a segunda edição (1978) de Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, composta e impressa pelas Oficinas Gráficas da Universidade Federal de Goiás, com capa (retratando um dos becos da cidade de Goiás) e ilustrações elaboradas pela consagrada artista Maria Guilhermina, orelha de J.B. Martins Ramos, e prefácio de Oswaldino Marques, saudada por Carlos Drummond de Andrade no Jornal do Brasil, a 27 de dezembro de 1980, que Aninha, já conhecida como Cora Coralina, ganhou a atenção e passou a ser admirada por todo o Brasil. "Não estou fazendo comercial de editora, em época de festas. A obra foi publicada pela Universidade Federal de Goiás. Se há livros comovedores, este é um deles." Manifesta-se, ao ensejo, o vate Drummond.
A primeira edição de Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais, seu primeiro livro, foi publicado pela Editora José Olympio em 1965, quando a poetisa já contabilizava 75 anos. Reúne os poemas que consagraram o estilo da autora e a transformaram em uma das maiores poetisas de Língua Portuguesa do século XX. Já a segunda edição, repetindo, saiu em 1978 pela imprensa da UFG. E a terceira, em 1980. Desta vez, pela recém implantada editora da UFG, dentro da Coleção Documentos Goianos.
Onze anos depois da primeira edição de Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais, compôs, em 1976, Meu Livro de Cordel. Finalmente, em 1983 lançou Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha (Ed. Global).
Cora Coralina recebeu o título de Doutor Honoris Causa da UFG (1983). E, logo depois, no mesmo ano, foi eleita intelectual do ano e contemplada com o Prêmio Juca Pato da União Brasileira dos Escritores. Dois anos mais tarde, veio a falecer. A 31 de janeiro de 1999, a sua principal obra, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, foi aclamada através de um seleto júri organizado pelo jornal O Popular, de Goiânia, uma das 20 obras mais importantes do século XX. Enfim, Cora torna-se autora canônica.

Livros e outras obras

Referências

Ela era uma otima pessoa

Bibliografia

  • TAHAN, Vicência Bretas. Cora Coragem, Cora Poesia. Global Editora, 1989.
  • CORALINA, CORA. Villa Boa de Goyaz. Global Editora, 2001.
  • DENÓFRIO, Darcy França. Cora Coralina - Coleção Melhores Poemas - Global Editora, 2004. Darcy Franca Denofrio
  • DENÓFRIO, Darcy França; CAMARGO, Goiandira Ortiz de. Cora Coralina: Celebração da Volta. Cânone Editorial, 2006. Darcy Franca Denofrio.
  • BRITTO, Clóvis Carvalho; SEDA, Rita Elisa. Cora Coralina - Raízes de Aninha. Editora Idéias & Letras, 2011, 1a. edição.

Ligações externas

Wikiquote
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ANINHA E SUAS PEDRAS
Cora Coralina
Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

(Outubro, 1981)
DAS PEDRAS
Cora Coralina
Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.
Uma estrada,
um leito
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.
Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores.
Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude
dos meus versos.

(Meu Livro de Cordel, p.13, 8°ed., 1998)
MEU EPITÁFIO
Cora Coralina
Morta...serei árvore
Serei tronco, serei fronde
E minhas raízes
Enlaçadas às pedras de meu berço
são as cordas que brotam de uma lira.
Enfeitei de folhas verdes
A pedra de meu túmulo
num simbolismo
de vida vegetal.
Não morre aquele
que deixou na terra
a melodia de seu cântico
na música de seus versos.

(Meu Livro de Cordel, p.95)
MEIAS IMPRESSÕES DE ANINHA (MÃE)
Cora Coralina
Renovadora e reveladora do mundo
A humanidade se renova no teu ventre.
Cria teus filhos,
não os entregue à creche.
Creche é fria, impessoal.
Nunca será um lar
para teu filho.
Ele, pequenino, precisa de ti.
Não o desligues da tua força maternal.
Que pretendes mulher?
Independência, igualdade de condições...
Emprego fora do lar?
És superior àqueles
que procuras imitar.
Tens o dom divino
de ser mãe
Em ti está presente a humanidade.
Mulher, não te deixes castrar.
Serás um animal somente de prazer
e ás vezes nem mais isso.
Frígida, bloqueada, teu orgulho te faz calar.
Tumultuada, fingindo ser o que não és.
Roendo o teu osso negro da amargura.

(Vintém de Cobre –Meias Confissões de Aninha, p.190, 8°ed., 1996)
MULHER DA VIDA
Cora Coralina
Mulher da Vida,
Minha irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e ápodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à toa.
Mulher da vida,
Minha irmã.’
(Poemas de Goiás e Estórias Mais, p.201, 1996)
O CÂNTICO DA TERRA
Cora Coralina
Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranqüila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.

E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.
O CHAMADO DAS PEDRAS
Cora Coralina
A estrada está deserta.
Vou caminhando sozinha.
Ninguém me espera no caminho.
Ninguém acende a luz.
A velha candeia de azeite
de lá muito se apagou.
Tudo deserto.
A longa caminhada.
A longa noite escura.
Ninguém me estende a mão.
E as mãos atiram pedras.
Sozinha...
Errada a estrada.
No frio, no escuro, no abandono.
Tateio em volta e procuro a luz.
Meus olhos estão fechados.
Meus olhos estão cegos.
Vêm do passado.
Num bramido de dor.
Num espasmo de agonia
Ouço um vagido de criança.
É meu filho que acaba de nascer.
Sozinha...
Na estrada deserta,
Sempre a procurar
o perdido tempo que ficou pra trás.
Do perdido tempo.
Do passado tempo
escuto a voz das pedras:
Volta...Volta...Volta...
E os morros abriam para mim
Imensos braços vegetais.
E os sinos das igrejas
Que ouvia na distância
Diziam: Vem... Vem... Vem...
E as rolinhas fogo-pagou
Das velhas cumeeiras:
Porque não voltou...
Porque não voltou...
E a água do rio que corria
Chamava...chamava...
Vestida de cabelos brancos
Voltei sozinha à velha casa deserta.

(Meu Livro de Cordel, p.84, 8°ed., 1998)
OFERTAS DE ANINHA (Aos Moços)
Cora Coralina
Eu sou aquela mulher
a quem o tempo
muito ensino.
Ensinou a amar a vida.
Não desistir da luta.
Recomeçar na derrota.
Renunciar a palavras e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos.
Ser otimista.

Creio numa força imanente
que vai ligando a família humana
numa corrente luminosa
de fraternidade universal.
Creio na solidariedade humana.
Creio na superação dos erros
e angústias do presente.
Acredito nos moços.
Exalto sua confiança,
generosidade e idealismo.
Creio nos milagres da ciência
e na descoberta de uma profilaxia
futura dos erros e violências do presente.
Aprendi que mais vale lutar
Do que recolher dinheiro fácil.
Antes acreditar do que duvidar.
(Vintém de Cobre – Meias Confissões de Aninha, p. 156, 8°ed.1996)
ORAÇÃO DO MILHO
Cora Coralina
Senhor, nada valho!
Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e hastes e se me ajudardes, Senhor, mesmo planta de acaso solitária, dou espigas e devolvo, em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura, não me pertence a hierarquia tradicional do trigo e de mim não se faz o pão alvo universal.
O Justo não me consagrou o pão da vida, nem lugar me foi dado nos altares, sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra onde não vinga o trigo nobre; sou de origem obscura e de ascendência pobre, alimento dos rústicos e animais de jugo.
Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques coroados de rosas e espigas; quando os hebreus iam em longas caravanas buscar na terra do Egito o trigo dos faraós; quando Rute respigava cantando nas searas de Booz e Jesus abençoava os trigais maduros, eu era apenas o Bró, nativo das tabas ameríndias.
Fui o angú pesado e constante do escravo na exaustão do eito,
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante, Sou a farinha econômica do proletário,
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha,
Alimento de porcos e do triste mu de carga, o que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro,
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis,
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado,
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece,
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos,
Sou a pobreza vegetal agradecida a vós, Senhor, que me fizeste necessário e humilde.
Sou o milho!
RIO VERMELHO
Cora Coralina
Longe do Rio Vermelho      
Fora da serra dourada.
Distante desta cidade,
Não sou nada, minha gente.
Sem rebuço, falo sim.
Publico para quem quiser.
Arrogante digo a todos.
Sou Paranaíba para cá.
E isto chega pra mim.
Rio Vermelho das janelas da casa velha da ponte...
Rio que se afunda de baixo das pontes.
Que se alarga nos remansos.
Esteira de lambaris.
Peixe cascudo nas locas.
Rio, vidraça do céu.
Das nuvens e das estrelas.
Tira retrato da lua.
Da lua quarto crescente
Que mora detrás do morro.
Lua que veste a cidade de branco
E tece rendado de marafunda
Na sombra das cajazeiras.
Rio de águas velhas.
Roladas das enxurradas.
Crescidas das grandes chuvas.
Chovendo nas cabeceiras.
Rio do princípio do mundo
Rio da contagem das eras.
Rio – mestre de química.
Na retorta das corredeiras,
Corrige canos, esgoto, bueiros,
Das casas das ruas, dos becos.
Da minha terra.
Rio, santo milagroso.
Padroeiro que guarda e zela
A saúde da minha gente,
Da minha antiga cidade largada.
Rio de lavadeiras lavando roupa.
De menino lavando o corpo.
De potes se enchendo da água.
E quem já ficou doente da água do rio?
Quem já teve ferida braba, febre malina,
Pereba, sarna ou coceira?
Rio, meu pobre Jô...
Cumprindo sua dura sina.
Raspando sua lazeira
Nos cacos dos seus monturos.
Rio, Jô que se alimpa,
Pela graça de deus, virgem santa Maria,
Nas cheias de suas enchentes
Que carregam seus monturos.
Ponte da lapa da minha infância...
Da escola da Mestra Silvina,
Do tempo em que eu era Aninha...
Ponte do Carmo, querida,
Dos namorados de longe.
Pó onde passava enterro,
Dos anjinhos de Goiás,
Que iam pro cemitério,
Pintadinho de carmin.
E a música tocando atrás
A valsa da despedida.
Ponte nova do Mercado
      - Foi pinguela do Antonio Manuel,
Banheiro da meninada.
Ponte do padre pio dos potes d água.´
Carioca de nós todos.
Pinguelona dos destemidos,
Contando a estória de um sino.
Sino grande, impensado,
Nas locas da cachoeira.
Sino da igreja da Lapa,
Que rodou na grande enchente
Tocando pro rio abaixo.
Até que parou imprensado
Nas pedras da pinguelona.
Gente que passa ali perto
Conta estória do sino:
Inda toca á meia-noite
Quando a cidade se aquieta,
E as águas ficam dormindo
Tange,pedindo uma graça:
Que algum cristão caridoso,
O salve daquele poço,
O tire debaixo d´ águas
Pois seu destino de sino
É no de uma torre
Abençoando a cidade.
Dando aviso para o povo
-louvar a deus poderoso.
Poço da mandobeira...
Poço do bispo...
Sombras de velhos banhistas dos velhos tempos.
Sabão do reino no bolso.
Toalha passada ao ombro
Cigarro de palha no bico.
A vitamina do banho.
Banho da carioca.
Águas vitaminadas...
Rio vermelho – meu rio.
Rio que atravessei um dia
(Altas horas.mortas horas.)
há cem anos...
em busca do meu destino.
Da janela da casa velha
Todo dia,de manhã,
Tomo a benção do rio:
      - Rio Vermelho,meu avozinho,
Dá sua bença pra mim...
TODAS AS VIDAS
Cora Coralina
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.
Saber Viver
Cora Coralina
Não sei… Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura… Enquanto dura.
Humildade
Cora Coralina
Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.
Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.
Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura
numa terra sedenta
e num telhado velho.
Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

ZUMBI DOS PALMARES


CIDADE NEGRA (JORGE BEN JOR)

Angola Congo Benguela
Monjolo Capinda Nina
Quiloa Rebolo
Aqui onde estão os homens
Há um grande leilão
Dizem que há
Uma princesa à venda
Que veio junto com seus súditos
Acorrentados num carro de boi
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Angola Congo Benguela
Monjolo Capinda Nina
Quiloa Rebolo
Aqui onde estão os homens
De um lado cana de açucar
Do outro lado cafezal
Ao centro senhores sentados
Vendo a colheita do
algodão branco
Sendo colhido por mãos
negras
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Quando Zumbi chegar
O que vai acontecer
Zumbi é senhor das guerras
é senhor das demandas
Quando Zumbi chega é Zumbi
é quem manda
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver
Angola Con...go Benguela
Monjo...lo
Capinda Nina
Quiloa Rebolo
Eu quero
Angola
Benguela
Capinda
Quiloa


Zumbi, um negro,
respirando rebeldia,
foge pra mata um dia
à procura do Lugar.
Era um Quilombo,
a terra dos ex-escravos,
todos livres, sem os travos,
sem ter dono pra ferrar.
Vinham mestiços,
índios chegavam do eito,
todos lá tinham direito,
preto, branco, sarará.
Uma nação
de iguais sem oprimidos,
de homens livres nascidos,
crescidos sem apanhar.
Chegaram ali
brancos pobres, mamelucos,
com pau, pedra e trabuco
pra liberdade ganhar.
Todos queriam ser mais um quilombola,
não viver pedindo esmola
a que não queria dar.
Uma cruzada
contra os povos livres, bravos,
para mantê-los escravos,
correram então a formar.
E a batalha
derradeira aconteceu,
jamais dela se esqueceu
quem nasceu nesse lugar.
O sol,
o sol já vem.
Eu namoro uma morena
e sou moreno também
Vi preto livre
lá na Serra da Barriga
enfrentar bala e urtiga
para não se escravizar.
Como uma praga,
saída dos evangelhos,
vi Domingos Jorge Velho
palmares incendiar.
Eu vi foi tiro,
eu vi corte de peixeira,
pernada de capoeira,
vi corpo no chão rolar.
Eu vi Zumbi
ser preso, ser torturado,
violado e humilhado
por querer se libertar.
Eu vi seu corpo
ser a faca esquartejado,
como um bicho ser sangrado,
também vi seu degolar.
Vi a cabeça
enfiada numa vara,
eu vi toda a sua cara
no sol quente descarnar.

Zumbi dos Palmares

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Zumbi dos Palmares
Antônio Parreiras - Zumbi 2.jpg
Pintura por Antônio Parreiras.
Nascimento 1655
Serra da Barriga, Capitania de Pernambuco, Brasil colonial
Reino de Portugal Portugal
Morte 20 de novembro de 1695 (40 anos)
Serra Dois Irmãos, Capitania de Pernambuco, Brasil colonial
Reino de Portugal Portugal
Nacionalidade brasileira
Cônjuge Dandara dos Palmares
Zumbi (Capitania de Pernambuco, 1655Capitania de Pernambuco, 20 de novembro de 1695) foi o último dos líderes do Quilombo dos Palmares, o maior dos quilombos do período colonial. Zumbi nasceu na então Capitania de Pernambuco, na serra da Barriga, região hoje pertencente ao município de União dos Palmares, no estado brasileiro de Alagoas.

Etimologia

A palavra Zumbi, ou "Zambi", vem do termo nzumbe, do idioma africano quimbundo, e significa fantasma, espectro, alma de pessoa falecida.1

Histórico

O Quilombo dos Palmares-(Zumbi) - localizado na Capitania de Pernambuco, atual região de União dos Palmares, Alagoas - era uma comunidade, um reino (ou república na visão de alguns[quem?]) formado por escravos negros que haviam escapado das fazendas, prisões e senzalas brasileiras. Ele ocupava uma área próxima ao tamanho de Portugal. Naquele momento sua população alcançava por volta de trinta mil pessoas.2
Zumbi nasceu na Serra da Barriga, Capitania de Pernambuco, atual União dos Palmares, Alagoas, livre, no ano de 1655, mas foi capturado e entregue a um missionário português quando tinha aproximadamente seis anos. Batizado 'Francisco', Zumbi recebeu os sacramentos, aprendeu português e latim, e ajudava diariamente na celebração da missa.
Por volta de 1678, o governador da Capitania de Pernambuco, cansado do longo conflito com o Quilombo de Palmares, se aproximou do líder de Palmares, Ganga Zumba, com uma oferta de paz. Foi oferecida a liberdade para todos os escravos fugidos se o quilombo se submetesse à autoridade da Coroa Portuguesa; a proposta foi aceita pelo líder, mas Zumbi rejeitou a proposta do governador e desafiou a liderança de Ganga Zumba. Prometendo continuar a resistência contra a opressão portuguesa, Zumbi tornou-se o novo líder do quilombo de Palmares.
Quinze anos após Zumbi ter assumido a liderança, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho foi chamado para organizar a invasão do quilombo. Em 6 de fevereiro de 1694 a capital de Palmares foi destruída e Zumbi ferido. Apesar de ter sobrevivido, foi traído por Antonio Soares, e surpreendido pelo capitão Furtado de Mendonça em seu reduto (talvez a Serra Dois Irmãos). Apunhalado, resiste, mas é morto com vinte guerreiros quase dois anos após a batalha, em 20 de novembro de 1695. Teve a cabeça cortada, salgada e levada ao governador Melo de Castro. Em Recife, a cabeça foi exposta em praça pública, visando desmentir a crença da população sobre a lenda da imortalidade de Zumbi.
Em 14 de março de 1696 o governador de Pernambuco Caetano de Melo e Castro escreveu ao Rei: "Determinei que pusessem sua cabeça em um poste no lugar mais público desta praça, para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam Zumbi um imortal, para que entendessem que esta empresa acabava de todo com os Palmares."

Polêmicas

Monumento ao Zumbi em Salvador, Bahia.
Inscrição no monumento.
Alguns autores levantam a possibilidade de que Zumbi não tenha sido o verdadeiro herói do Quilombo dos Palmares e sim Ganga-Zumba: "Os escravos que se recusavam a fugir das fazendas e ir para os quilombos eram capturados e convertidos em cativos dos quilombos. A luta de Palmares não era contra a iniquidade desumanizadora da escravidão. Era apenas recusa da escravidão própria, mas não da escravidão alheia.[...]"3
De acordo com José Murilo de Carvalho, em "Cidadania no Brasil" (pag 48), "os quilombos mantinham relações com a sociedade que os cercavam, e esta sociedade era escravista. No próprio quilombo dos Palmares havia escravos. Não existiam linhas geográficas separando a escravidão da liberdade".
Segundo alguns estudiosos Ganga Zumba teria sido assassinado, e os negros de Palmares elevaram Zumbi a categoria de chefe:
"Depois de feitas as pazes em 1678, os negros mataram o rei Ganga-Zumba, envenenando-o, e Zumbi assumiu o governo e o comando-em-chefe do Quilombo"4
Seu governo também teria sido caracterizado pelo despotismo:
"Se algum escravo fugia dos Palmares, eram enviados negros no seu encalço e, se capturado, era executado pela ‘severa justiça’ do quilombo.
Zumbi é considerado um dos grandes líderes de nossa história. Símbolo da resistência e luta contra a escravidão, lutou pela liberdade de culto, religião e prática da cultura africana no Brasil Colonial. O dia de sua morte, 20 de novembro, é lembrado e comemorado em todo o território nacional como o Dia da Consciência Negra."5

Escravidão no Quilombo dos Palmares

Apesar de representar uma resistência à escravidão, muitos quilombos contavam com a escravidão internamente. Esta prática levou vários teóricos a interpretarem a prática dos quilombos como um conservadorismo africano, mantendo as diversas classes sociais existentes na África, incluindo reis, generais e escravos.6 7
Para alguns estudiosos, no entanto, a escravidão nos quilombos não se assemelhava à escravidão dos brancos sobre os negros, sendo os escravos considerados como membros das casas dos senhores, aos quais deviam obediência e respeito.8 Semelhante à escravidão entre brancos, comum na Europa na Alta Idade Média.9
Assim a prática da escravidão nos quilombos, como a praticada por Zumbi, tinha dupla finalidade:10
- a primeira, de aculturar os escravos recém-libertos às práticas do quilombos, que consistiam em trabalho árduo para a subsistência da comunidade. Já que muitos dos escravos libertos achavam que não teriam mais que trabalhar; e
- a segunda, que visava diferenciar a população do quilombo, em:
a) aqueles que chegaram pelos próprios meios. Escravos fugidos, que se arriscavam até encontrar um quilombo. Sendo, neste trajeto, perseguidos por animais selvagens e pelos antigos senhores. Ainda, correndo o risco de serem capturados por outros escravistas, e em
b) aqueles trazidos por incursões de resgates. Escravos libertados por grupos quilombolas que iam às fazendas e vilas. Estes ficavam sob um regime de servidão temporário à algumas casas mais antigas, até se adaptarem à rotina do quilombo e poderem ter suas próprias casas.

Cronologia

  • Mais ou menos em 1600: negros fugidos do trabalho escravo dos engenhos de açúcar, onde hoje são os estados de Pernambuco e Alagoas no Brasil, fundam na serra da Barriga o Quilombo dos Palmares. A população de Palmares em pouco tempo já contava com mais de 3 mil habitantes. As principais funções dos quilombos eram a subsistência e a proteção dos seus habitantes, e eram constantemente atacados por exércitos e milícias.
  • 1630: Começam as invasões holandesas no nordeste brasileiro, o que desorganiza a produção açucareira e facilita as fugas dos escravos. Em 1644, houve uma grande tentativa holandesa de aniquilar o quilombo de Palmares que, como nas investidas portuguesas anteriores, foi repelida pelas defesas dos quilombolas.
  • 1654: Os holandeses deixam o nordeste brasileiro.
  • 1655: Nasce Zumbi, num dos mocambos de Palmares.
  • 1670: Ganga Zumba, filho da Princesa Aqualtune e tio de Zumbi, assume a chefia do quilombo, então com mais de trinta mil habitantes.
  • 1675: Na luta contra os soldados portugueses comandados pelo Sargento-mor Manuel Lopes, Zumbi revela-se grande guerreiro e organizador militar. Neste ano, a tropa portuguesa comandada pelo Sargento-mor Manuel Lopes, depois de uma batalha sangrenta, ocupa um mocambo com mais de mil choupanas. Depois de uma retirada de cinco meses, os negros contra-atacam, entre eles Zumbi com apenas vinte anos de idade, e após um combate feroz, Manuel Lopes é obrigado a se retirar para Recife. Palmares se estendia então da margem esquerda do São Francisco até o Cabo de Santo Agostinho e tinha mais de duzentos quilômetros de extensão, era uma república com uma rede de onze mocambos, que se assemelhavam as cidades muradas medievais da Europa, mas no lugar das pedras haviam paliçadas de madeira. O principal mocambo, o que foi fundado pelo primeiro grupo de escravos foragidos, ficava na Serra da Barriga e levava o nome de Cerca do Macaco. Duas ruas espaçosas com umas 1500 choupanas e uns oito mil habitantes. Amaro, outro mocambo, tem 5 mil. E há outros, como Sucupira, Tabocas, Zumbi, Osenga, Acotirene, Danbrapanga, Sabalangá, Andalaquituche.
  • 1678: A Pedro de Almeida, governador da capitania de Pernambuco, mais interessava a submissão do que a destruição de Palmares, após inúmeros ataques com a destruição e incêndios de mocambos, eles eram reconstruídos, e passou a ser economicamente desinteressante, os habitantes dos mocambos faziam esteiras, vassouras, chapéus, cestos e leques com a palha das palmeiras. E extraiam óleo da noz de palma, as vestimentas eram feitas das cascas de algumas árvores, produziam manteiga de coco, plantavam milho, mandioca, legumes, feijão e cana e comercializavam seus produtos com pequenas povoações vizinhas, de brancos e mestiços. Sendo assim o governador propôs ao chefe Ganga Zumba a paz e a alforria para todos os quilombolas de Palmares. Ganga Zumba aceita, mas Zumbi é contra, não admite que uns negros sejam libertos e outros continuem escravos. Além do mais eles tinham suas próprias Leis e Crenças e teriam que abrir mão de sua cultura.
  • 1680: Zumbi assume o lugar de Ganga-Zumba em Palmares e comanda a resistência contra as tropas portuguesas. Ganga Zumba morre assassinado com veneno.
  • 1694: Domingos Jorge Velho e Bernardo Vieira de Melo comandam o ataque final contra a Cerca do Macaco, principal mocambo de Palmares e onde Zumbi nasceu, cercada com três paliçadas cada uma defendida por mais de 200 homens armados, após 94 anos de resistência, sucumbiu ao exército português, e embora ferido, Zumbi consegue fugir.
  • 1695, 20 de Novembro: Zumbi, então aos 40 anos, foi traído e denunciado por um antigo companheiro (Antonio Soares), ele é localizado pelo capitão Furtado de Mendonça, preso, tem a cabeça cortada, salgada e levada, com o pênis dentro da boca, ao governador Melo e Castro.11 Ainda no mesmo ano, D. Pedro II de Portugal premia com cinquenta mil réis o capitão Furtado de Mendonça por "haver morto e cortado a cabeça do negro dos Palmares do Zumbi".12

Tributo

Navio Brasileiro Zumbi dos Palmares, feito no Estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco.
Zumbi é hoje, para determinados segmentos da população brasileira, um símbolo de resistência. Em 1995, a data de sua morte foi adotada como o dia da Consciência Negra.
Atualmente, o dia 20 de novembro é celebrado como Dia da Consciência Negra13 . O dia tem um significado especial para os negros brasileiros que reverenciam Zumbi como o herói que lutou pela liberdade e como um símbolo de liberdade. Hilda Dias dos Santos incentivou a criação do Memorial Zumbi dos Palmares.
Várias referências nas artes fazem tributo a seu nome:

Genealogia

Árvore genealógica de Zumbi, baseada nas informações do site da TV Brasil,14 em Reginaldo de Souza Santos15 e em Décio Freitas:16
 
 
 
 
 
Algum Rei do Congo

 
 
 
 
 
 
 
 


 
 
 
 
 
Aqualtune

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ganga Zumba
 
Ganga Zona
 
Sabina

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


 
 
 
 
 
 
 
 
 
Zumbi dos Palmares
 
 
 
 
 
 
Dandara

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Motumbo
 
Harmódio
 
Aristogíton

Referências

  1. Ir para cima Dicionário Kimbundu/Português (ligação inativa)
  2. Ir para cima Cronologia do Quilombo dos Palmares
  3. Ir para cima Martins, José de Souza. Divisões Perigosas, p. 99
  4. Ir para cima Carneiro, Edison. O Quilombo dos Palmares, Editora Civilização Brasileira, 3a ed., Rio, 1966, p. 35
  5. Ir para cima idem, p. 27
  6. Ir para cima Libby, Douglas Cole e Furtado, Júnia Ferreira. Trabalho livre, trabalho escravo: Brasil e Europa, séculos XVIII e XIX. págs. 321-322. Annablume, 2006 - ISBN 8574196274, 9788574196275
  7. Ir para cima Libby, Douglas Cole e Furtado, Júnia Ferreira. Trabalho livre, trabalho escravo: Brasil e Europa, séculos XVIII e XIX. págs. 321-322. Annablume, 2006 - ISBN 8574196274, 9788574196275
  8. Ir para cima Landmann, Jorge. Tróia Negra. págs.?-?. Mandarim, 1998 - ISBN 8535400931, 9788535400939
  9. Ir para cima Cornwell, Bernard. O Último Reino. págs.?-?. Record, 2006 - ISBN 8501073520, 9788501073525
  10. Ir para cima Landmann, Jorge. Tróia Negra. Mandarim, 1998 - ISBN 8535400931, 9788535400939
  11. Ir para cima Zumbi dos Palmares, O Guerreiro da Liberdade. Grandes Personagens da História do Brasil. Museu da Cruzada.
  12. Ir para cima "Da invisibilidade à afirmação". Número 27, janeiro/março de 2000. Revista do Legislativo.
  13. Ir para cima [1] Lei 12.519, de 10 de novembro de 2011
  14. Ir para cima Aqualtune, Semana da Consciência Negra
  15. Ir para cima Reginaldo de Souza Santos, Damas Negras, citado no site Geledés Instituto da Mulher Negra
  16. Ir para cima Décio Freitas, Palmares - A Guerra dos Escravos, Edições Graal, 1982

Bibliografia

  • CARNEIRO,Edison.O Quilombo dos Palmares, Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 3a ed., 1966, p. 35
  • FONSECA Júnior, Eduardo. Zumbi dos Palmares, A História do Brasil que não foi Contada. Rio de Janeiro: Soc. Yorubana Teológica de Cultura Afro-Brasileira, 1988. 465 p.
  • FREITAS, Décio. Palmares, a guerra dos escravos. Porto Alegre: Movimento,1973.
  • LEAL, I.S. & LEAL, A. (1988). O menino de palmares. Coleção "Jovem do Mundo Todo". Editora Brasiliense. 18ª Edição.
  • MARTINS Souza, José.Divisões Perigosas: Políticas Raciais no Brasil Contemporâneo.Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira,2007 p. 99
  • SANTOS, Joel Rufino dos. (1988). Zumbi. Projeto Passo à Frente - Coleção Biografias.Editora Moderna.
  • SCISÍNIO, Alaôr Eduardo. Dicionário da escravidão. Rio de Janeiro: Léo Christiano, 1997.
  • VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

Ligações externas

Precedido por
Ganga Zumba
Rei do Quilombo de Palmares
1678 - 1694
Sucedido por
destruído

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